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Opinião: Cameron fez desserviço ao Reino Unido com referendo

Mudge Robert
Robert Mudge
15 de abril de 2016

Começa a campanha pré-votação sobre a permanência ou não de Londres na União Europeia. Convocar o pleito pode se tratar de uma manobra para enganar os líderes do bloco, opina o jornalista da DW Robert Mudge.

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Robert Mudge

Então, mais uma vez ao ataque, queridos amigos! O Reino Unido e a Europa continental tiveram sua dose de disputas no passado e, agora, a sobre a permanência ou não dos britânicos, que começa oficialmente nesta sexta-feira (15/04) [com o início da campanha pré-referendo], promete ser épica.

Mas não vamos nos iludir: o relacionamento conturbado com os precursores da União Europeia (UE) teve início em 1984, quando Margret Thatcher travou uma famosa batalha com a Comunidade Econômica Europeia sobre o valor das contribuições do Reino Unido, ameaçando reter os pagamentos caso não obtivesse um melhor negócio. Num lendário acesso de raiva numa reunião de cúpula, Tatcher atirou simbolicamente sua bolsa contra os colegas europeus.

Desde então, trata-se de uma relação de amor e ódio. Não que haja muito amor em Bruxelas. Há um ranger de dentes sobre o que uma "Brexit" [saída do Reino Unido do bloco europeu] significaria para a UE e sobre quão terrível isso seria pra o projeto europeu e sua visão de uma superpotência forte e unida política e economicamente – os Estados Unidos da Europa, que tal?

Entretanto, no fundo as preocupações são brandas, na melhor das hipóteses. Os franceses, sendo os franceses, adotaram sua típica atitude laissez-faire. Eles prefeririam se livrar desses incômodos britânicos o quanto antes, permitindo-lhes consolidar suas ambições de liderança e reiniciar o balbuciante motor franco-alemão na UE.

A propósito, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, se sente obrigada enquanto líder de facto da Europa a oferecer apoio simbólico às demandas de David Cameron de renovar e reformar o monstro democrático em Bruxelas. Mas quem Merkel está enganando? A Alemanha não precisa do Reino Unido como um contrapeso para avançar com suas ambições na Europa, assim como a chanceler federal alemã não precisa de outros membros do bloco – e muito menos confia – para resolver a crise de refugiados (e é o nome dela que está por trás do acordo UE-Turquia).

Cameron sabe que ele fez a ele mesmo e a seu país um enorme desserviço com esse referendo. Como resultado, nas últimas semanas ele trabalhou num verdadeiro frenesi para exorcizar o espectro fantasmagórico do Reino Unido sendo deixado de fora olhando para dentro. Mais recentemente, ele escreveu um editorial para o Daily Telegraph, descrevendo longamente e em detalhe por que uma "Brexit" seria "desnecessária e imprudente". Suas observações fizeram com que se pergunte por que ele não lutou com tal força para permanecer na UE anos atrás.

Caso tudo tenha se tratado apenas de uma farsa para apaziguar os eurocéticos parlamentares do Tory [antigo partido conservador do Reino Unido], isso levanta a questão sobre quão fraca sua posição realmente é dentro do partido. A procrastinação e hesitação de Cameron em relação ao próprio envolvimento nas revelações dos chamados Panama Papers sem dúvida danificaram ainda mais sua credibilidade e reputação.

Por outro lado, poderia se tratar apenas de uma manobra para enganar os líderes da UE e que lhe permitiria salvar a própria pele. No caso de os britânicos votarem a favor de uma saída da UE, Cameron poderia alegar que fez uma árdua campanha para evitar a saída do bloco, alertando o país sobre as graves consequências. E é claro que ele nunca realmente quis realizar um referendo.

Por sorte, a maioria dos britânicos está mostrando uma boa dose de bom senso e não está se permitindo distrair pelas manobras políticas de Cameron. É preciso reconhecer que a disputa está acirrada, mas a maioria das pesquisas indica que os favoráveis à UE estão em vantagem.

O Reino Unido se orgulha de seu status de ilha, de sua capacidade de superar as circunstâncias e condições mais adversas, de seu permanente papel de coitado na Europa. E tem todo direito de se orgulhar, independentemente do senso geral de schadenfreude [satisfação pelo mal alheio] que advém da Europa continental quando as coisas dão errado.

Mas a questão – como escreveu o poeta inglês do século1 7 John Donne – é que "nenhum homem é uma ilha". E ainda mais pertinente é a passagem que se segue: "... inteiro por si mesmo; todo homem é um pedaço do continente, uma parte do todo; se um pedaço for levado pelo mar, a Europa fica menor."