Opinião: Campanha eleitoral alemã foi vazia e sem visões
20 de setembro de 2013Alguns dias atrás, no metrô, eu estava reclamando com um colega de trabalho: "Que campanha chocha. Sem conteúdo, sem controvérsia". Visões, nem pensar, foi a minha conclusão.
Meu interlocutor me olhava em silêncio. Ele é russo e conhece bem a situação tanto na Alemanha quanto na Rússia. Eu só conheço a alemã. "Você precisa ver a Alemanha de fora, para dar valor", disse. E aí, não parou mais.
A Alemanha é a única grande nação que passa incólume pelas crises: primeiro a falência do banco Lehman Brothers, em 2008, e agora, já há um bom tempo, as bancarrotas estatais na União Europeia. A conjuntura no país funciona, o nível de emprego bate recordes, as caixas da previdência estão cheias até a boca. Nem sombra de inflação, prosseguiu o colega.
"De que é que os alemães estão reclamando, então?" A Alemanha é um modelo de estabilidade, prosperidade e organização. Um em cada três russos elegeria Angela Merkel, reforça ele.
Estou confuso. Nós, alemães, vamos tão bem, e eu não estou sabendo de nada?
Europa mais alemã
É verdade: nós vamos bem. Tão bem que adiamos reformas e aproveitamos os frutos da política do ex-chanceler federal Gerhard Schröder. Em seu programa Agenda 2010, o social-democrata cortou benefícios sociais, e Merkel lucra com isso, por ironia da história. Suas próprias propostas de reforma, a chefe de governo adiou para o futuro.
Sem dúvida, o segundo mandato da democrata-cristã foi, acima de tudo, marcado por imprevistos. Tanto o desastre atômico de Fukushima quanto a crise de endividamento no Sul da Europa estavam fora dos planos. Em ambos os casos, Merkel agiu.
A fusão do reator no Japão proporcionou à Alemanha sua reforma energética. A física de formação e defensora convicta da tecnologia atômica se despediu, praticamente da noite para o dia, da energia radioativa. Uma atitude notável, mas longe de ser característica de seu segundo mandato.
A posteridade vai marcá-la, acima de tudo, como a gestora das crises do euro e do endividamento. A política de resgate da moeda europeia praticamente monopolizou a agenda da coalizão de governo formada por democrata-cristãos e liberais.
Com esse tema, a premiê granjeou respeito, mas não só: poucas vezes antes choveu tanta crítica, tão duramente e por tanto tempo, contra Angela Merkel e o rígido curso de contenção que impôs a gregos, espanhóis e todos os demais Estados à beira da falência.
Não há dúvida: a União Europeia se tornou mais alemã na crise, tendo Merkel como presidente inoficial da "UE Companhia Limitada". Prova maior disso é o atual marasmo em Bruxelas: há semanas os temas importantes estão congelados, com todos esperando a Alemanha finalmente eleger seu governo, para que as coisas possam avançar.
A questão é só: avançar com quem?
A crise é dos outros. Ou não?
A campanha eleitoral enfadonha e basicamente desprovida de conteúdo explicita um fato acima de tudo: os alemães estão bastante satisfeitos consigo mesmos, com sua situação econômica. Enquanto no Sul da Europa as sirenes de alarme gritam, o alemão dorme tranquilo e profundamente – e em plena crise.
Autocomplacentes, registramos a admiração que parte dos outros países. Sim, achamos certo que italianos e espanhóis, gregos e irlandeses tenham que economizar de forma brutal antes de receberem verbas da caixa comum da UE.
Parece paradoxal o fato de que a contenção e as reformas ditadas por Merkel aos países endividados tenha transformado a Alemanha em global player à revelia – pelo menos no que se refere à política europeia e de finanças. Ao mesmo tempo, a política externa se pauta pela abstinência: indagado se pretende assumir responsabilidade no conflito da Síria, a resposta de Berlim continua sendo "não, obrigado!".
A Alemanha antes das eleições: somente o evento em si é realmente empolgante. A campanha eleitoral foi desprovida de temas e durante muito tempo marcada pela dominância da chanceler federal. Agora, na reta final, a corrida fica mais acirrada.
Se Angela Merkel mantém a dianteira, é devido a sua política relativa ao euro. Como timoneira atravessando as ondas da crise, ela provou ser dura e consequente, e isso cai bem mesmo entre os eleitores de outras orientações políticas.
Nenhum de nós sabe o preço dessa política e, no momento, isso não interessa. Merkel não quer falar sobre os custos do resgate do euro: de alguma maneira, estamos aproveitando a calmaria antes da tempestade.
Seja como for, Merkel não precisa de visões para o futuro. Nesse ponto, Helmut Schmidt, o premiê social-democrata que antecedeu o democrata-cristão Helmut Kohl, concordaria plenamente. Seu credo era: "Quem tem visões deve ir ao médico".