Opinião: Coreia do Norte usa programa nuclear para forçar EUA a negociar
2 de abril de 2013Não é de hoje que o programa nuclear de Pyongyang é fonte de desentendimento com o Ocidente. Nas últimas duas décadas, todas as três gerações de líderes norte-coreanos entraram em atrito com os Estados Unidos – e a questão atômica sempre esteve no centro das preocupações.
Em 1994, o então presidente americano, Bill Clinton, negociou um acordo com o líder fundador da Coreia do Norte, Kim Il-sung. Pelo pacto, os norte-coreanos congelariam o desenvolvimento de armas nucleares e, em troca, receberiam da comunidade internacional dois reatores para fins civis.
Oito anos depois, George W. Bush chegou a incluir a Coreia do Norte no chamado "eixo do mal" e impôs sanções ao regime de Kim Jong-Il, então líder do país. No ano seguinte, com a mediação da China, Bush abriu as chamadas "negociações de seis lados" para tentar manter sob controle o programa nuclear norte-coreano. As conversas incluíam, além das Coreias, EUA, Rússia, Japão e China.
Hoje, Barack Obama tem que lidar com Kim Jong-un, filho de Kim Jong-Il. E aposta em manter a pressão – e, ao mesmo tempo, acenar com incentivos – para tentar convencer o regime norte-coreano a abrir mão de suas armas nucleares. De fato, a Coreia do Norte alimentou por muito tempo nos americanos a crença de que, um dia, concordaria em abrir mão de seu programa nuclear. Aos poucos, no entanto, foi abandonando essa tática.
Após a morte de Kim Jong-Il, em dezembro de 2011, a Coreia do Norte incluiu em sua Constituição o status de potência nuclear. O Comitê Central do Partido dos Trabalhadores estabeleceu que a expansão quantitativa e qualitativa do arsenal do país não deveria ser abandonada "enquanto os imperialistas e as ameaças nucleares existirem no mundo". As armas nucleares, disse, não são negociáveis, nem mesmo por "bilhões de dólares".
A recusa da Coreia do Norte em abrir mão de seu arsenal nuclear se dá por dois motivos. Primeiro, porque hoje o país não tem dinheiro para modernizar o armamento convencional de suas Forças Armadas – há anos a principal base de sustenção da dinastia Kim. O programa atômico é, assim, uma espécie de compensação para os militares.
O outro motivo é que o programa nuclear serve também para reforçar o sentimento patriótico. Dessa forma, a população norte-coreana, que passa por privações devido à política governamental de priorizar o orçamento para as Forças Armadas, pode pelo menos sentir algum orgulho nacional.
O regime instalado em Pyongyang vê no arsenal atômico a garantia de que vai se manter no poder. Essa opinião é fundamentada pelos recentes acontecimentos envolvendo dois líderes de nações sem poder nuclear – Saddam Hussein, no Iraque, e Muammar Kadafi, na Líbia. Ambos foram tirados do poder, depostos respectivamente por uma invasão americana e por uma revolta popular apoiada pelos EUA.
"O poder nuclear da República Popular [da Coreia do Norte] representa a sobrevivência da nação", defendeu Kim Jong-un no mês passado. Em outras palavras, a bomba atômica seria para os norte-coreanos a garantia de que os EUA não vão atacá-los.
As demonstrações do poderio nuclear norte-coreano têm como intuito forçar os EUA a entrarem em negociações bilaterais sobre um tratado de paz, 60 anos após o fim da Guerra da Coreia. Os norte-coreanos desejam conduzir esse diálogo em pé de igualdade – de uma potência nuclear para a outra, por assim dizer – para poder tirar o maior proveito possível das conversas.
Nesse contexto, o cancelamento do pacto de não agressão com a Coreia do Sul e do acordo de cessar-fogo de 1953 servem para lembrar os EUA do que está por trás dessa retórica belicosa. Desde o último sábado (30/03), Pyongyang trata todos os assuntos entre as duas Coreias como "em tempos de guerra".
Mesmo diante das novas circunstâncias, os EUA mantêm sua antiga estratégia de endurecer sanções e intimidar através de demonstrações de poderio militar, na tentativa de trazer Pyongyang de volta à mesa de negociações. Obama não acredita que Kim Jong-un venha a iniciar uma guerra, e espera o apoio da China para que isso não aconteça.
Para Washington, os chineses têm todo o interesse em evitar escaramuças militares e até mesmo uma eventual guerra na península. Afinal, eles não querem estar na situação de serem obrigados a apoiar militarmente Pyongyang, contra os EUA, por causa da aliança entre os dois países comunistas.
Ao mesmo tempo, os EUA e a aliada Coreia do Sul mantêm as tensões elevadas. As recentes manobras militares conjuntas na península, com utilização de bombardeios visíveis desde Pyongyang, reavivaram um trauma dos tempos da guerra para os norte-coreanos. No conflito, o general Douglas MacArthur espalhou o terror no país dos Kim ao permitir que bombardeiros voassem em baixa altitude, sugerindo o lançamento de uma bomba nuclear.
Com a demonstração de força, Obama de certa forma reforça as acusações de Kim Jong-un, que diz que os EUA estariam provocando uma guerra nuclear com as manobras militares. A reação norte-coreana demonstra o fracasso da estratégia seguida pelos presidentes Clinton, Bush e Obama para eliminar as armas nucleares em Pyongyang.
O jornalista Martin Fritz foi correspondente da emissora alemã ARD em Tóquio e viajou diversas vezes à Coreia do Norte. Ele é o autor de Nordkorea - das Pulverfass im Fernen Osten (Coreia do Norte - o barril de pólvora no Extremo Oriente).