Opinião: Dançando tango com Barack Obama
Foi uma viagem curta e espetacular que merece o adjetivo "histórica". Dois dias e meio em Havana e mais dois em Buenos Aires ficarão marcados nas relações dos Estados Unidos com Cuba e Argentina e na biografia de um presidente fascinante.
Às duas nações ele estendeu uma ponte de amizade e, em suas próprias palavras, enterrou os últimos vestígios da Guerra Fria e começou uma nova era de compreensão mútua. Seu desejo de promover a estabilidade, a democracia e a prosperidade parece sincero. No caso de Cuba, as 90 milhas que separam os Estados Unidos da ilha caribenha parecem ter se encurtado por estes dias. Ao falar de forma aberta e direta sobre as políticas fracassadas das últimas décadas, aludindo claramente à responsabilidade dos EUA, deixou, depois de sua passagem, a sensação de que "sim, é possível" a mudança. E também no caso da Argentina, onde falou sobre a responsabilidade de seu país em enfrentar o passado com transparência, citando o papel dos EUA no golpe militar da Argentina, parece cimentada a amizade.
Talvez a única crítica que se possa fazer ao presidente Barack Obama é que suas viagens a Cuba e à Argentina tenham acontecido apenas agora, poucos meses antes de ele deixar a Casa Branca. Tendo em vista as enormes tarefas históricas pendentes entre os EUA e os países da América Latina, o convite franco para fortalecer e renovar os laços, que ele fez a cubanos e argentinos, teria um futuro mais certo e frutífero se tivesse sido feito antes.
Assim, ele deixa nas mãos de seu sucessor, como tarefa pendente, o convite a promover esse futuro. A questão é se Hillary Clinton ou, na sua falta, Donald Trump, retomarão esse chamada para promover em conjunto um caminho mais justo e democrático na região. O carisma de Obama, o comportamento elegante e o discurso inteligente desse orador brilhante não fazem esquecer que ele representa uma nação que tem seus próprios interesses.
A responsabilidade dos Estados Unidos por uma das fases mais negras da história latino-americana não desapareceu. Obama confirmou, na Argentina, pela primeira vez, a desclassificação de documentos militares e de inteligência dos EUA sobre a ditadura. Disse que os Estados Unidos refletem sobre o que aconteceu e estão consciente das controvérsias que persistem sobre a política externa de Washington na década de 70 na América Latina.
Mas não se trata de "controvérsias". A lista de legados americanos nos regimes militares latino-americanos é longa. À Argentina pode-se acrescentar Chile, Panamá, Nicarágua e El Salvador para ficar apenas com as ditaduras mais sangrentas. Seu papel em obstaculizar o desenvolvimento democrático no continente, sob o pretexto de "combater o comunismo", levou os Estados Unidos a impulsionar regimes totalitários, eliminando os recursos intelectuais e atrasando por décadas o desenvolvimento democrático de todo um continente.
Obama está confiante de que, se os povos trabalham juntos – neste caso os Estados Unidos e Cuba ou os Estados Unidos e a Argentina – podem iniciar juntos o caminho para o progresso. "Temos a responsabilidade de analisar o passado e sermos responsáveis perante o futuro, e é isso o que vamos fazer." Desclassificar documentos é certamente uma contribuição para os direitos humanos ea democracia e um avanço para todo o continente.
Parece uma obviedade que, além de culturas e paixões, as pessoas têm esperanças comuns. Mas, ouvida da boca do presidente Obama, a frase assume um poder mágico e é um convite ao sonho. O que resta, agora, é não deixar que o sonho acabe com a sua presidência e lembrar os Estados Unidos de que, para dançar tango, sempre são necessários dois.