Opinião: Democracia alemã, defenda-se!
3 de novembro de 2015Que bons tempos eram aqueles, naquela época – na verdade, pouco tempo atrás – quando o desencanto com a política era a maior ameaça à democracia alemã. Nós, os bons democratas – eleitores ativos e firmes seguidores da Lei Fundamental – estávamos um pouco perplexos com o crescente desinteresse de nossos parentes, amigos, vizinhos em relação ao Estado e à sociedade.
Hoje, um milhão de refugiados depois, a república perdeu essa autossatisfação de tom muitas vezes indiferente. Vivemos à beira de um estado de emergência, e a plebe cuida da agitação. Indivíduos oriundos dos círculos direitistas e notoriamente dispostos à violência fazem as vezes de agitadores, seguidos pelos enrustidos, que agora abandonam o anonimato de suas fortificações interiores.
Algumas semanas atrás, nós éramos os simpáticos. Celebrávamos as diferenças culturais e acolhíamos as pessoas. Agora, fazemos registros sobre atentados e ataques contra os mais fracos. Em Colônia, a candidata a prefeita é esfaqueada, abrigos de refugiados são incendiados ou inundados, dois neonazistas fazem xixi em crianças estrangeiras. Descoberta surpreendente: 70% dos criminosos não tinham registro policial. O que está acontecendo?
Mas mesmo infratores reincidentes não precisam temer a mão firme do Estado. Ela não existe. A Alemanha é tida, dentro da União Europeia, como negligente no combate aos "crimes de ódio". Uma categoria do direito penal que existe há décadas nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas não na Alemanha.
Promotores e juízes poderiam agir com mais frequência e mais dureza, mas eles não fazem isso, como acusam até mesmo os autores de um parecer da agência de antidiscriminação do governo alemão. Por que não? Essa atitude complacente do Estado de Direito em relação a criminosos violentos e racistas funciona como um incentivo na cena de extrema direita e infecta até aquele que ainda há pouco era o "bom cidadão".
Nossas autoridades de proteção constitucional também são de uma tolerância irritante ao lidar com os agitadores de extrema direita. Tomam conhecimento da existência do Pegida, mas não o monitoram. Como se o passeio às segundas-feiras em Dresden fosse um alegre exercício de democracia ao ar livre de cidadãos críticos. Na verdade, esse autoproclamado centro revela-se as partes baixas da sociedade.
E quando esses cidadãos raivosos se olham nos olhos na rua, muitos devem pensar "puxa, somos realmente muitos!" Trata-se de um fenômeno psicossocial. Quando uma pessoa começa a jogar seu lixo na clareira da floresta, não tardam a aparecer imitadores. É como o rompimento de uma barragem: os até então pacatos cidadãos repentinamente ganham coragem de dizer o que sempre pensaram. Eles zombam do Estado, da democracia e se apresentam como "bons alemães" que só dizem a verdade.
Portanto, é um sinal errado quando o ministro alemão da Justiça, Heiko Maas, não processa seus detratores, que o chamaram de Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Não há maneira melhor de convidar os meios racistas a continuar testando os limites do Estado de Direito.
Claro que, em tempos como estes, o esclarecimento é sempre um meio eficaz de combater maus começos. Mas, se a casa já está pegando fogo, não precisamos mais procurar por um seguro residencial. O que importa agora é parar o incêndio do ódio e da violência. Uma democracia tem que se defender – e com todos os meios de que dispõe.
Pois uma coisa é certa: a democracia alemã suporta muito melhor o ônus de organizar e financiar a acolhida de refugiados do que o perigo que os incitadores do ódio representam para a sociedade.