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Opinião: O lento ocaso do chavismo

Manuel Silva-Ferrer
15 de junho de 2017

As ações da última semana promovidas pela procuradora-geral da Venezuela constituem um novo capítulo no complicado xadrez institucional que se tornou a política do país, opina o pesquisador Manuel Silva-Ferrer.

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Venezuela Proteste in Caracas
Foto: Reuters/C. G. Rawlins

Em 17 de maio passado, a procuradora-geral da Venezuela enviou um comunicado à Comissão Presidencial da Assembleia Nacional Constituinte, enumerando as razões pelas quais se opõe à convocação de uma assembleia constituinte cidadã. Entre outros aspectos, Luisa Ortega Díaz criticava a forma como a convocação foi feita, sem consultar o povo e ameaçando ignorar os direitos consagrados na Constituição de 1999. A promotora pontuou o que é óbvio para qualquer observador imparcial: a atual crise venezuelana não precisa de uma nova Constituição. E tal convocação, longe de solucionar a crise, ameaça seriamente agravá-la.

Ante a recusa do governo Nicolás Maduro de acolher as críticas – que são, em resumo, as críticas do país – a promotora se dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça, para solicitar a anulação da convocação realizada pelo presidente. E ante a imediata negativa do Supremo, que na prática funciona como um instrumento particular de Maduro, acaba de solicitar um julgamento de mérito contra os juízes da Sala Constitucional da corte máxima. O motivo: "poderiam estar envolvidos num crime de conspiração contra a forma republicana que foi dada à nação", como previsto no Código Penal e na própria Constituição venezuelana.

O cientista político venezuelano radicado em Berlim Manuel Silva-Ferrer
O cientista político venezuelano radicado em Berlim Manuel Silva-Ferrer

A promotora já havia acusado a Sala Constitucional do Supremo Tribunal de conduzir uma política que levou a uma ruptura da ordem constitucional, depois de produzir as famosas sentenças 155 e 156, que dissolveram o Parlamento venezuelano e formalizaram a ditadura de Maduro. Assim, Luisa Ortega Diaz, que até então vinha sendo uma peça-chave do obscuro dispositivo institucional organizado ao longo de quase duas décadas pelo chavismo, produziu uma imensa cisão no já enfraquecido governo Maduro. As consequências ainda serão vistas.

Ortega Diaz, certamente, não atua sozinha: ela representa uma das mais altas esferas de poder da dissidência chavista. Um movimento absolutamente tornado invisível no discurso oficial e pouco dado a deixar-se retratar nos meios opositores, que só encontra expressão nas redes sociais e em alguns espaços menores de comunicação a seu alcance.

Esses grupos dissidentes encabeçados agora pela promotora, que finalmente parecem começar a desligar-se da enorme maquinaria oficial, não deixam de ser extremamente contraditórios, ainda que coerentes com um certo hábito de comportamento chavista. Ao mesmo tempo em que representam uma parte do descontentamento popular, são, em grande medida, correligionários de uma espécie de dogmatismo místico que nos leva a desconhecer, sem rubor, algumas das causas reais da tragédia venezuelana, da qual eles são vítimas diretas.

São, assim como Luisa Ortega Díaz, abnegados defensores do que se denomina popularmente de "o legado de Chávez". São admiradores furibundos do falecido comandante, para quem as causas do afundamento do país são totalmente alheias à sua delirante gestão, atribuíveis apenas às posteriores políticas de Maduro, "à guerra econômica" ou à queda do preço do petróleo.

Porém, para o bem e para o mal, esses grupos são fundamentais na nova etapa de transição que a Venezuela vive. Uma transição em que ainda não está muito claro se o lento ocaso do chavismo conduzirá a uma recuperação da democracia. Ou se, pelo contrário, o fracasso do experimento revolucionário financiado pelo petróleo conduzirá à consolidação de um novo regime ditatorial na história da América Latina.