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Opinião: Putin não quer e não irá negociar

21 de fevereiro de 2023

Discurso do presidente russo deixa claro que acordos com a Rússia não são possíveis no momento – e talvez nunca mais sejam, opina Christian Trippe.

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Vladimiar Putin em púlpito
Putin culpa o Ocidente pela guerra na UcrâniaFoto: REUTERS

A pergunta deve ser feita: vale mesmo a pena comentar o discurso sobre o estado da nação feito pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin? É mesmo necessário analisar, de novo, com quais mentiras Putin justifica sua guerra à Ucrânia?

É o Ocidente que é responsável por tudo, foi o Ocidente que começou a guerra na Ucrânia – é nessas acusações insolentes que Putin resume sua loucura revisionista. Mas ele as usa como ponto de partida para considerações que deixam entrever além da superfície.

Mais uma vez, Putin sustenta que sua guerra de conquista na Ucrânia é uma guerra de defesa contra o Ocidente. Essa derivação absurda é normalmente designada como mera narrativa de propaganda e, com isso, minimizada. Pois analisa de forma superficial aquele que vê nessa afirmação apenas um meio retórico de um ditador que quer cerrar fileiras, atiçar sentimentos patrióticos e mobilizar a sociedade e o setor produtivo.

Há muito que Putin se tornou prisioneiro de sua própria propaganda. O seu desvario cesarista – ou melhor, czarista – revela profundos sentimentos feridos que se refletem no povo russo. Pois, na Rússia, não é só a elite no Kremlin ou nas Forças Armadas que sente de fato a dor imaginária de uma potência mundial caída.

Cheio de complexos

É no contexto desse sentimento, tanto complexo quanto cheio de complexos, que Putin recebe aplausos por sua afirmação de que é a existência da Rússia que está em jogo.

Uma análise tão fixada no aspecto psicológico, e com isso necessariamente politicamente ilógica, não deve afastar o olhar dos enormes interesses imperialistas de uma país que promove a guerra.

Porém, depois deste discurso, no qual Putin quebrou mais algumas pontes com o Ocidente, ficou ainda mais claro como será difícil retornar àquele denominador comum que é requisito para se conversar.

Observadores esperavam que Putin fosse declarar oficialmente guerra à Ucrânia, que ele fosse anunciar uma nova onda de mobilizações, declarar a lei marcial, fechar as fronteiras da Rússia, fazer novas ameaças de guerra atômica.

Nada disso. Putin anunciou que não quer mais negociar com os Estados Unidos sobre um acordo para limitar as armas nucleares. Negociações de desarmamento, de paz ou de cessar-fogo não são, no momento, possíveis com a Rússia de Putin – esse é o triste resumo desse discurso. Talvez não sejam até impossíveis com esse regime formado por uma claque de devotos cegos que o presidente russo reuniu em torno de si.

Contraste entre Putin e Biden

Ao se referir à guerra na Ucrânia, Putin foi estranhamente vago. Mas ele deixou entrever que os combates ainda vão durar muito, e que ele, consequentemente, aposta numa guerra de desgaste. Seu cálculo geopolítico é evidente: Putin aposta que, no fim do ano que vem, os Estados Unidos vão eleger um presidente que não priorize as relações transatlânticas tanto quanto Joe Biden. Que na Casa Branca estará um republicano que não estará mais disposto a garantir a sobrevivência da Ucrânia com envios de armas e transferências de dólares.

Putin prepara seu país para um confronto longo, duradouro e, sob todas as perspectivas, custoso, e defende um isolamento contra o Ocidente.

Enquanto isso, Biden viaja pela Europa, dá as caras numa Kiev marcada pela guerra, apresenta-se em Varsóvia como o líder do mundo livre.

O contraste entre os discursos desses dois presidentes não poderia ser maior.

Christian Trippe
Christian Trippe Chefe do Departamento Leste Europeu da DW