Os nove juízes da Suprema Corte têm a última palavra nos Estados Unidos quando se trata de determinar em que direção a sociedade evoluirá no longo prazo. Eles decidem, por exemplo, sobre os direitos dos homossexuais, a influência dos sindicatos, a regulamentação do aborto ou as leis de imigração.
Ou seja: esses juízes deliberam sobre todos os temas que desempenham um papel tão decisivo nesta campanha eleitoral, que tem carga ideológica extrema, pois nos próximos anos se define se será mantido o curso liberal do presidente Barack Obama. Ou se, por exemplo, será novamente suspensa a liberação do matrimônio para os casais homossexuais, e se serão adotadas leis de imigração bem mais duras.
Neste fim de semana morreu Antonin Scalia, juiz associado da Suprema Corte. Um republicano linha-dura, cujas sentenças no mais alto tribunal do país desde 1986 eram a favor da pena de morte e do direito de posse de armas, e contra a legalização do aborto.
A disputa por sua sucessão vai tornar ainda mais indigna esta já bizarra campanha presidencial. Isso tem a ver com a delimitação de poderes do cargo presidencial – a qual, teoricamente, faz todo sentido.
O democrata Obama tem, de fato, o direito exclusivo de apresentar sugestões para o mais alto cargo da Justiça americana. No entanto, seu candidato ou candidata precisa ser confirmado pelo Senado – onde, no momento, os republicanos detêm maioria.
Políticos de alto escalão, entre os quais o líder da bancada republicana no Senado, Mitch McConnell, e todos os seus candidatos presidenciais republicanos, mostraram imediatamente que abusam desse poder, sem escrúpulos, postergando a decisão sobre a vaga de Scalia até que o sucessor de Obama esteja definido.
"O posto não deverá ser ocupado até termos um novo presidente", declarou McConnell. De cara vermelha, o candidato Donald Trump bradava no debate de sábado (13/02): "Adiar, adiar, adiar!"
Sua justificativa é que cabe ao povo decidir de qual partido virá o novo juiz constitucional. E por isso a indicação deve ser suspensa agora, durante a campanha eleitoral.
Isso revela uma noção peculiar de democracia. O 45º presidente dos Estados Unidos será empossado em 20 de janeiro de 2017 – dentro de 11 meses, portanto. Esse é um prazo longo, no qual deverão ser tomadas algumas decisões fundamentais – por exemplo, sobre a regulamentação legal do aborto.
Os candidatos republicanos – que se apresentam, todos, com a promessa de combater o altamente corrupto e antidemocrático establishment – revelam, na primeira oportunidade, quais são suas reais bases ideológicas: primeiro vem o partido, só depois a Constituição.
Ainda está totalmente em aberto se tal estratégia de fato dará certo. Para muitos americanos, a Constituição é algo praticamente sagrado, sobretudo entre os republicanos. Talvez esse jogo de poder seja simplesmente óbvio demais.
A ala republicana em torno da candidata Hillary Clinton, pelo menos, não esperou muito para lembrar, com tweets em defesa do Estado, que os republicanos decididos a postergar a indicação não estão honrando a Constituição, e que cabe ao presidente tomar as decisões, até o último dia de seu mandato.
É bem possível que, no fim das contas, essa briga renda pontos positivos para os democratas.
Contudo, só enquanto o presidente Obama não se deixar instrumentalizar pelo próprio partido, enquanto escolher os candidatos à presidência segundo critérios de qualificação e elegibilidade, ao invés de tentar ganhar votos para o Partido Democrata com sugestões polarizadoras – em especial no que diz respeito aos ferrenhamente disputados votos dos imigrantes do México e dos afro-americanos. Neste ponto, ainda poderá ser bastante útil a relação relativamente distanciada de Obama com os dois principais candidatos de sua legenda.
Tudo isso é complicado demais e de importância apenas para os americanos? Cuidado! De fato: em primeira linha a maioria das decisões tomadas pela Suprema Corte dos EUA é de relevância para a política interna. Mas, afinal de contas, foi essa instância constitucional que declarou George W. Bush presidente, em dezembro de 2000, embora o democrata Al Gore tivesse quase 550 mil votos a mais em nível nacional.
A jornalista Ines Pohl é correspondente da DW em Washington.