No robusto edifício romano da Igreja Católica, com muita pedra e poucas janelas, algo está a acontecer. Algo que, dificilmente, alguém pensaria ser possível. No Sínodo para a Amazônia, que terminou neste domingo (27/10), a maioria dos 181 bispos sinodais, com direito a voto, se posicionou a favor de que a Igreja Católica permita a ordenação de homens casados para o cuidado pastoral na vasta Região Amazônica. Isso deve permitir que fiéis de comunidades remotas possam celebrar mais de uma ou duas vezes por ano a eucaristia, que é o centro de sua fé.
Trata-se de um momento histórico. Há dez ou 20 anos seria impensável em termos de política eclesiástica. Agora cabe ao papa Francisco decidir se as medidas serão implementadas pela Igreja. Então, um momento histórico também se tornaria um desenvolvimento histórico. Francisco quer se pronunciar ainda este ano. Uma pequena janela se abre no robusto edifício romano.
A perspectiva teológica mais importante é: a central de um sistema centralista leva a sério a preocupação de uma região longínqua, de pessoas que estão sofrendo. Este é o puro papa Francisco.
A questão da ordenação – é importante lembrar – não era o tema central do Sínodo para a Amazônia e do documento final. A reunião analisou a situação dramática na Amazônia e as condições das pessoas na região. E o mais tardar desde meados deste ano está claro em todo o mundo: a Amazônia está em chamas. "A Amazônia hoje está ferida, sua beleza desfigurada, é um lugar de sofrimento e violência."
Os bispos ouvem o "clamor da terra e o clamor dos pobres". Um conceito-chave que permeia seu documento final de 30 páginas é a palavra conversão, mudança. Essa palavra profundamente jesuânica se destina ao povo da Amazônia, mas, na verdade, vale para a política mundial e a todos os seus atores, incluindo a Comissão Europeia e o governo alemão, as empresas e consumidores nos EUA ou na Europa, como também a Igreja e suas decisões econômicas."Se não mudarmos, a humanidade a Amazônia não será preservada", afirmou um cardeal.
O documento do Sínodo é de fácil leitura, não tem nada de rebuscado. Algumas passagens lembram a grande linguagem que a Igreja latino-americana usou no final da década de 1960 e no início da década de 1970 em documentos eclesiásticos em face do "clamor dos pobres". Sob Francisco, isso não é politicamente de esquerda ou de direita, mas simplesmente uma expressão de proximidade com o ser humano, sua Teologia do Povo.
Seu olhar se direciona ao ser humano, não simplesmente – como é típico da Igreja – a como o ser humano deveria ser. E para Francisco, a Amazônia e a arbitrariedade da exploração cruel e a destruição da criação afetam todos os católicos, todos os seres humanos em todo o mundo. O mesmo se aplica a situações semelhantes no Congo ou na região do rio Ganges, abordadas no auditório do Sínodo. "Sabemos que enfrentamos uma crise socioeconômica sem precedentes à qual precisamos reagir. Precisamos uma conversão ecológica para responder de maneira apropriada."
A América Latina ainda é o principal continente católico. Ali vivem quase a metade de todas as pessoas de fé católica do mundo, o Brasil é o maior país católico do mundo. É por isso que esta região, que se encontra distante dos europeus, está no centro das perspectivas eclesiásticas. E se ali a conversão ecológica é necessária, se ali se afrouxam as regras do celibato ou – isso também obedece ao Sínodo – se discutem papéis de liderança feminina na Igreja: cada tópico ali discutido ocupará sempre a Igreja Católica como um todo.
Tudo isso acontece com fortes ventos contrários. Certa parcela de fiéis considera esse papa e seu sistema como hereges, como tendo se afastado da verdadeira fé. Basicamente, esse meio lhe declarou guerra.
Horas antes de os padres sinodais terem se reunido no Vaticano para a votação final, o cardeal Gerhard Ludwig Müller, da Cúria Alemã, foi celebrado em Washington. O religioso de 71 anos, que deixou o cargo de Prefeito da Congregação da Fé por ordem de Francisco, agora tem tempo. "O cardeal Müller é o Donald Trump da Igreja Católica", disse a anfitriã, princesa Gloria von Thurn and Taxis, diante de uma grande plateia na capital americana. E Müller proferiu ali muitas palavras críticas contra Francisco. Pois o catolicismo americano não combina com esse papa do Hemisfério Sul.
Claro, esta é uma peça cômica: Gloria, que depois de uma juventude de escândalos se transformou com a idade numa senhora elegante, e seu ex-bispo de Regensburg, Müller. Mas isso não é tudo. Esta é a convicção de que a Igreja Católica precisaria, em sua liderança, de um homem como Donald Trump. O fenômeno Trump é o oposto de Francisco, de sua paixão pelo "clamor da terra, pelo clamor dos pobres".
As imagens midiáticas que acompanharam o Sínodo foram principalmente fotografias de povos indígenas, que recebiam os bispos a caminho da sala sinodal. Ali estavam simplesmente pessoas do Brasil ou Peru, calorosas, cantando e dançando, às vezes folclóricas. Talvez essa imagem tenha sido idílica demais. A algumas quadras de distância, uma exposição lembrava centenas de vítimas da exploração selvagem na Amazônia nas últimas décadas.
Mártires, sacerdotes assassinados, freiras mortas a tiros, mas acima de tudo pessoas simples e desconhecidas que se encontravam no caminho de garimpeiros ou corporações. Muitas das conexões econômicas levam aos EUA. Assim não é de surpreender que seja daí que venha a maior parte das críticas ao Sínodo para a Amazônia, também na mídia. Este papa e seu amor pelo semblante da Amazônia são perturbadores, assim como sua vontade de tornar a Igreja mais sensível ao sofrimento. Ele sentirá isso ainda mais fortemente no futuro.
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