Chega a espantar a tranquilidade e descaramento com que a primeira-ministra britânica tenta enrolar seus compatriotas. Após a cúpula em Bruxelas deste domingo (25/11) – na qual, em clima de enterro, foi aprovado o penosamente negociado acordo de separação entre o Reino Unido e a União Europeia –, Theresa May postou-se diante das câmeras para afirmar que seu país tem um futuro dourado à frente.
Agora, fora da UE, os britânicos poderão fechar acordos melhores com o resto do mundo. Além disso, têm novamente o controle sobre a imigração, não estando mais sob a chibata do tão prepotente bloco europeu.
Isso é pura balela, pois o acordo do Brexit prevê que entre as duas partes nada mudará, pelo menos até o fim de 2020, e talvez um ou dois anos mais além. Até lá, Londres permanecerá no mercado comum europeu, e segue vigorando a livre circulação para os cidadãos do bloco, assim como a jurisdição do Tribunal de Justiça da UE, em Luxemburgo.
Nesse período, o Reino Unido continuará pagando sugas contribuições, só que sem influência sobre as discussões, não estando mais representado nos conselhos de ministros nem no Parlamento Europeu. A nobre promessa do "take back control", de retomar o controle sobre os próprios assuntos – em que os paladinos do Brexit tanto insistiram antes do fatal referendo –não será implementada.
É incerto se essa situação mudará após o período de transição. Pois só se conseguir, até o fim de 2020, fechar um novo acordo sobre as relações com a UE, é que o Reino Unido poderá partir para a tão sonhada independência. Do contrário, o país permanece numa pouco vantajosa união aduaneira com a UE, e a Irlanda do Norte provavelmente em grande parte ligada ao mercado interno europeu.
Os problemas, como o novo status do país e a questão das fronteiras na ilha irlandesa, foram apenas adiados para o futuro. A "declaração política" dos britânicos e demais europeus não traz verdadeiras propostas de solução. No melhor dos casos, ela é uma longa lista de desejos, enumerando todos os possíveis campos de cooperação. Se esse documento básico fosse colocado em prática, seria muito parecido com uma filiação à União Europeia.
Cabe, então, perguntar: o que visa toda essa palhaçada de Brexit, no fim das contas? Como está configurado agora, o divórcio não tem grandes vantagens nem para o Reino Unido, nem para a UE. Procede a observação do primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, após a histórica cúpula: "Todo mundo perde, ninguém sai ganhando!"
A primeira-ministra Theresa May, em vez de se ocupar da realidade, promete às eleitoras e eleitores britânicos um mar de rosas – da mesma forma como, na época do referendo, os mentirosos deslavados da campanha "Vote leave".
Ela acha que poderá forçar a aprovação do acordo pelo teimoso Parlamento adentro. As perspectivas para tal são ruins: caso ela vença a votação, deverá perder a tolerância pelo Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte, não podendo mais governar. Caso vença, provavelmente terá que renunciar ou será expulsa do cargo por seu Partido Conservador.
May está presa na armadilha do Brexit. Um possível sucessor ou sucessora dela tampouco conseguirá escapar assim tão fácil.
A alternativa para o acordo de separação fechado neste domingo é um Brexit "duro" em março de 2019, sem qualquer prazo de transição. O caos seria inevitável, de "futuro dourado", nem sombra. Até mesmo os lucros financeiros seriam antes parcos.
O Reino Unido contribui para a conta conjunta da UE com cerca de 6 bilhões de euros por ano – quantia que as escabrosas promessas dos adeptos do Brexit e também da premiê May superam por um fator de dois ou três. Somente a promessa de 394 milhões de euros semanais para o sistema de saúde já totaliza 20 bilhões de euros anuais. Isso sem nem ainda falar dos subsídios bilionários para os agricultores britânicos.
Não só os britânicos, mas também a UE recalcou, até agora, os problemas que acarretará a saída de seu terceiro maior contribuinte. Logo chegará a hora, nas negociações orçamentárias posteriores a 2021, de ver quem vai fechar o "buraco do Brexit", pagando contribuições mais altas para o orçamento conjunto.
Aí não bastarão as "artes diplomáticas" que a chanceler federal alemã, Angela Merkel, tanto louvou neste domingo. Pois será a hora de muitos euros na mão e vontade política de ferro.
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