Como um trauma nacional, os longos cortes elétricos, o transporte público em colapso e as prateleiras vazias dos supermercados ficaram gravados na memória de várias gerações. Nos dias atuais, as imagens de obscuridade e caos emitidas pela Venezuela avivam novamente esse fantasma em Cuba.
No país com as maiores reservas de petróleo do mundo, a população caminha no escuro, cozinha apressada a comida para evitar que estrague por falta de refrigeração, e 21 pacientes morreram em hospitais por falta de eletricidade, segundo a ONG Médicos pela Saúde. A insegurança nas ruas se agrava com a falta de energia, e a falta de cobertura de celular mantém incomunicáveis centenas de milhares de famílias. A situação não poderia ser mais simbólica, como se uma longa noite tivesse acabado por pairar sobre o país.
O Palácio de Miraflores culpa pelo fracasso um ataque descomunal pelos seus inimigos internos com "o apoio e a assistência dos Estados Unidos" e afirma ter provas que apresentará às Nações Unidas. Mas a verdade é que, durante a última década, os apagões se tornaram um cenário comum na Venezuela e que vozes alertando para a deterioração da rede elétrica têm se acumulado. Os primeiros testemunhos e relatos que estão sendo divulgados indicam que o que começou na quinta-feira passada (07/03) tem mais semelhança com um desastre anunciado do que com um golpe desestabilizador.
Como um gigante ferido no calcanhar, o país sul-americano vive momentos que poucos poderiam ter imaginado há duas décadas, quando milhões de venezuelanos levaram Hugo Chávez à presidência da República e iniciaram um processo de renovação que levou ao atual regime de Nicolás Maduro, este criticado por organizações internacionais, repudiado por grande parte da população e considerado por outros como um "traidor" do chavismo.
Nestes dias difíceis, em vez de implementar um mecanismo de emergência eficaz e de fornecer informações transparentes sobre a situação do sistema elétrico, Maduro preferiu assumir papel de vítima, aproveitar a ocasião para exclamar slogans políticos e refugiar-se no secretismo. Por sua vez, a Assembleia Nacional, com Juan Guaidó à frente, decidiu cortar todo o abastecimento de petróleo a Cuba e convocar manifestações contra quem chamam de "o usurpador".
A tensão cresce na Praça da Revolução de Havana à medida que se aprofunda a crise econômica interna e aumenta a ameaça de perder as remessas de petróleo que, apesar de terem diminuído nos últimos anos, continuam chegando à ilha vindas da Venezuela. Mas o que o governo cubano mais teme é a reação do povo, como se comportarão os cidadãos se o chamado "Período Especial" voltar, não como um fantasma, mas como uma realidade.
A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa La voz de tus derechos no canal de TV da DW em espanhol.
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