A principal vítima do imbróglio em torno do glifosato é a confiança da população na imparcialidade da pesquisa científica. É pesada a acusação de que autoridades como o Departamento Federal de Avaliação de Risco (BfR), da Alemanha, ou a Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) usaram estudos duvidosos, feitos por empresas, ou ignoraram outros de resultado mais crítico.
O presidente do BfR, Andreas Hensel, defendeu o órgão, alegando que as acusações dos opositores do glifosato são inventadas e não se sustentam. Segundo ele, está claro, para a ciência, que o glifosato não causa câncer. O BfR não deve declarar problemática uma substância que, na verdade, é inofensiva, "só porque convém a determinados círculos".
E nós, a opinião pública, podemos confiar em quem? O que os legisladores devem fazer numa situação como essa? Estamos diante de uma campanha bem feita e financiada pela indústria, que tenta esconder de nós a verdade, influenciando as autoridades com lobby e pesquisas científicas manipuladas?
Ou, ao contrário, se rejeitarmos o glifosato, estaremos cedendo ao lobby, não menos cheio de interesses, das organizações ambientalistas, que gostam de manipular os resultados de pesquisas científicas em interesse próprio? Afinal, muitos ambientalistas têm um motivo adicional, além da pretensa toxicidade do glifosato, para eliminar esse herbicida do mercado: sua luta ideológica contra a engenharia genética na agricultura.
Uma compatibilidade entre essas duas verdades conflitantes parece impossível, e o leigo fica sem saber em quem confiar.
Há que se dizer, porém, que simplesmente retirar o glifosato do mercado não seria uma boa solução, de jeito nenhum. Quem garante que os outros herbicidas, que os agricultores iam então utilizar, são seguros? E a ideia de que todos os agricultores da União Europeia virariam, do dia para a noite, produtores orgânicos, deixando os herbicidas de lado, é pura utopia.
Precisamos, finalmente, de clareza: o glifosato é perigoso ou é inofensivo? A pesquisa científica deveria responder a essa pergunta de forma clara e inequívoca. Afinal, ela pretende ser empírica e objetiva. Pesquisas devem ser replicáveis, ou seja, se repetidas dentro das mesmas condições, o resultado deve ser sempre o mesmo. Isso não pode ser assim tão difícil.
A licença para o glifosato foi agora renovada por mais cinco anos na União Europeia. Esse período deveria bastar para lançar luz nas trevas: a União Europeia e os países-membros precisam criar, logo, uma instância neutra. Essa autoridade deve contar com cientistas independentes: toxicólogos, médicos, biólogos e outros especialistas.
Opositores e defensores do glifosato, legisladores e autoridades devem estabelecer um acordo prévio sobre o preenchimento dos cargos desse órgão. E devem deixar de lado os próprios lobistas, se querem que a coisa seja levada a sério.
Esse órgão precisa se ocupar de dois aspectos: por um lado, verificar as acusações de manipulação em pesquisas científicas. Houve de fato uma influência antiética da indústria? Resultados de pesquisas importantes foram deixados de lado? E, se for esse o caso, o procedimento serviu para falsificar a avaliação geral da toxicidade da substância?
O segundo aspecto é que o órgão deve encomendar novos estudos científicos de institutos de independência inquestionável, que comprovadamente não estejam do lado de nenhuma das partes interessadas. Para isso os países terão de disponibilizar recursos.
Esse seria um caminho correto e ético para finalmente se obter clareza nessa fastidiosa briga em torno do glifosato. E ele poderia restabelecer a confiança na pesquisa científica.
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