Vladimir Putin transpirava satisfação ao aparecer diante da imprensa, após um encontro de três horas e meia com Joe Biden em Genebra. E tinha boas razões para tal: com a cúpula, o presidente americano retirou de uma vez o homem forte russo do isolamento internacional, dando sinal verde a outros líderes ocidentais, inclusive a chanceler federal alemã e o chefe de Estado francês, a fazerem o mesmo com mais frequência – coisa que ambos desejam.
A coletiva de imprensa de Putin foi sobretudo o costumeiro jogo de "e vocês?", no estilo soviético, incluindo comparar a legislação antimídia e anti-ONG do Kremlin à dos Estados Unidos para "agentes estrangeiros", a qual, em contraste, é direcionada principalmente para lobistas.
Ao falar do conteúdo das conversas, Putin também parecia feliz de que as planejadas discussões sobre estabilidade estratégica abarcarão uma ampla gama de questões, e não só o tratado New START, que de qualquer modo terá que ser renegociado.
Aparentemente a cibersegurança foi uma prioridade máxima para os americanos. Putin deve ter sabido disso, e que não lhe seria difícil demais aceder às exigências dos EUA, pelo menos no que concerne às equipes especiais de ciberserviços. Igualmente satisfatório para ele deve ter sido o fato de a Ucrânia – um assunto à parte, do qual depende grande parte de sua autoimagem e de seu prestígio doméstico – não teve grande destaque nas discussões na cidade suíça.
Preso à mentalidade da Guerra Fria
Como costuma ocorrer em tais reuniões de cúpula, Biden e Putin trocaram bem estudados "brindes" entre si. Os embaixadores americano, John J. Sullivan, e russo, Anatoly Antonov, retornarão a seus respectivos postos em Washington e Moscou. Putin também sugeriu uma possível permuta de dois cidadãos americanos encarcerados na Rússia por dois russos presos nos EUA.
Estava claro que Biden foi para o encontro muito bem preparado e pronto para confrontar seu homólogo, caso fosse necessário. Enquanto político de carreira, ele tem vasta experiência: sua primeira visita à União Soviética foi lá em 1979, como jovem senador.
Contudo ele pode ter cometido o erro conceitual de julgar Putin segundo em termos de Guerra Fria, como poderia ter feito com os líderes russos anteriores Leonid Brezhnev ou Mikhail Gorbachev.
Não só a Rússia moderna é mais fraca do que a URSS em quase todos os aspectos – militar, econômico ou demográfico –, mas também a natureza de sua liderança é radicalmente diferente agora: o Politburo Soviético agia com base no que considerava ser de interesse nacional, sem se preocupar muito em perder poder ou propriedades, e para Putin e seu círculo estreito, a maior preocupação é o sobrevivência de seu regime.
As cartas que eles têm na mão são mais fracas do que as dos comunistas de antigamente. E, ao contrário destes, a atual classe governante é também quem possui os bens mais valiosos – petróleo, gás e outros recursos –, através das empresas estatais sob sua direção. Em tais circunstâncias, os interesses nacionais cedem lugar aos pessoais. E na Rússia moderna, há muito os primeiros viraram uma maneira de camuflar estes últimos.
Nada de "todo mundo ganha"
Isso faz da imprevisibilidade a arma preferencial do Kremlin ao lidar com o mundo externo, especialmente com o Ocidente – o qual Putin crê estar ansioso por uma mudança de regime em Moscou. Para poder negociar com ele com pelo menos um mínimo de segurança e confiança, o Ocidente tem que lhe dar as garantias que há muito o dirigente russo procura.
Estas consistem em deixá-lo fazer o que quiser no âmbito doméstico e entregar os países do espaço pós-soviético a sua tutela inoficial, especialmente quando se trata de decidir questões como a filiação à Otan. E isso é algo que nenhum dos políticos ocidentais está disposto a conceder – sem tampouco estarem preparados a confrontar o Kremlin pela força.
No universo putiniano, força gera respeito. Para a liderança russa, apelos no estilo da Guerra Fria, sobre os interesses comuns e como "todos podem sair ganhando", são vistos ou como uma armadilha ou como sinal de fraqueza: a primeira tem que ser desmascarada, a segunda, aproveitada. Nesse aspecto, a Ucrânia permanece o principal campo de batalha onde o Kremlin testará a nova política dos EUA para a Rússia.
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Konstantin Eggert é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.