Cenas dramáticas no aeroporto de Cabul. Soldados americanos gritam com os afegãos que se movem na direção deles e dizem para eles recuarem. Um empurra a multidão, enquanto outro aponta sua arma para as pessoas. Alguns afegãos mostram seus passaportes – europeus também estão entre eles. Os soldados não parecem se importar. Vídeos mostram militares americanos atirando na multidão e usando gás lacrimogêneo para tentar controlar o caos. Mulheres gritam e imploram por ajuda, enquanto outras desmaiam. As crianças miram os olhares horrorizados dos pais – estão em choque.
Nesses dias, essas imagens estão presentes em todos os lugares – como muitos pequenos sinais de alerta exibidos nas telas de TV e smartphones: vejam aqui, isso acontece com aqueles que não querem ser convertidos pelo Islã primitivo. Na Alemanha e na Europa, as pessoas estão chocadas. Como foi possível se chegar a essa situação tão dramática? O quão desesperado está alguém que passa seu bebê por cima de uma cerca de arame farpado na certeza de não poder segui-lo?
Todos iguais no campo de refugiados
Poucas horas após a decolagem dos primeiros voos de evacuação dos americanos, o aeroporto de Cabul se transformava num desordenado campo de refugiados. Aqui não importa quem tem qual passaporte ou quem tem qual visto, se nasceu na Alemanha ou no Afeganistão. Aqui, vale a lei do mais forte, aqui você é apenas uma coisa: afegão. E, portanto, apenas uma pessoa de segunda classe e tratada como tal. Status social, nível de educação, bons contatos, riqueza ou status de residência seguro – nada disso tem mais interesse. Lá se vão as ilusões de que basta apenas se esforçar o suficiente para escapar da guerra e do trauma e viver como uma pessoa de primeira classe na América do Norte ou na Europa.
O que está acontecendo aqui é um símbolo da imagem imposta aos afegãos há 20 anos – não, há mais de 40 anos: a de um povo desamparado e desesperado que deve ser resgatado pela comunidade mundial moralmente superior. Só que nesses dias, estão imprensados entre soldados americanos que atiram neles de um lado e o Talibã, que os ameaça com punições arcaicas, do outro. E os afegãos dependem de que sejam considerados passíveis de reconhecimento seus direitos humanos e, derivado disso, garantidos seu direito à proteção e à segurança.
A visão neocolonial
Mas mesmo entre pessoas de segunda classe é feita uma distinção: o bebê inocente, imaculado pela suspeita de terrorismo e islamismo, que é salvo por soldados americanos, é a categoria mais querida. Essas crianças ainda podem ser moldadas e integradas no Ocidente. Diariamente aparecem novas fotos de propaganda dos militares carregando bebês de poucos meses nos braços. É tão grotesco: alguns minutos antes, os pais dessas crianças estavam sendo maltratados. Só quando se separam dos pais é que se pensa ser possível oferecer-lhes um futuro pelo qual vale a pena lutar. Uma velha estratégia colonial que já era usada contra os povos indígenas nos EUA e Canadá.
Em extremo contraste com a criança "pura" está o afegão adulto e incivilizado: os homens que sempre batem a cabeça em suas rixas de sangue. No Ocidente não há nenhuma simpatia pelos afegãos em particular. Sempre as pessoas se perguntam por que são quase exclusivamente homens que chegam como refugiados. Por que eles não lutaram? Por que se renderam ao Talibã sem lutar?
Encenação global
O que é esquecido é o fato de que o Exército afegão não desistiu sem lutar, mas foi abandonado pelos EUA e pela Otan, assim como por seu próprio governo. E que especialmente os homens estão fugindo porque as mulheres no Afeganistão quase não conseguem sair de casa sozinhas. E muitas vezes é varrido para debaixo do tapete como é perigosa e fisicamente cansativa uma fuga através das fronteiras nacionais para as mulheres. Em vez disso, são repetidas distorcidas imagens orientais e neocoloniais. Fiel às descobertas da estudiosa de literatura Gayatri Chakravorty Spivak de 1988, a encenação global se reflete em "homens brancos salvando mulheres morenas de homens morenos".
Lembremo-nos que a missão no Afeganistão foi legitimada há 20 anos por, além da luta contra o terrorismo, precisamente esta intenção: o Ocidente queria libertar o Afeganistão do Talibã para salvar as mulheres afegãs. Exatamente essas mulheres agora estão sendo deixadas à própria sorte novamente. Somente aquelas que conseguem chegar a um avião rumo ao Ocidente têm a chance de viver como mulheres de uma forma que corresponda ao ideal ocidental. Todos os outros – e especialmente os homens do Afeganistão – são deixados à própria sorte.
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A jornalista Waslat Hasrat-Nazimi fugiu do Afeganistão para a Alemanha com a família quando criança e hoje é chefe da redação afegã da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, e não necessariamente da DW.