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Caso Relotius é traição do jornalismo e da democracia

20 de dezembro de 2018

Jornalista premiado da revista 'Der Spiegel' inventou fatos e declarações. Isso é um perigo não apenas para o jornalismo, mas para a democracia em tempos de ataque à imprensa, afirma a repórter Sandra Petersmann.

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Homem mostra folheto com a palavra "Lügenpresse" (imprensa mentirosa) em manifestação de populistas de direita, em 2016
Folheto com palavra "Lügenpresse" (imprensa mentirosa) em protesto na AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa/P. Zinken

Eu estou furiosa e decepcionada com a quebra de tabu de Claas Relotius. Eu amava suas reportagens investigativas feitas no exterior e me alegrei com os muitos prêmios jornalísticos que ele ganhou, por achar que ele os havia merecido honestamente.

Para mim, a reportagem investigativa no exterior é a categoria máxima do jornalismo. O que Relotius fez com a verdade, em suas reportagens falsificadas, é alta traição ao jornalismo. Uma traição como essa prejudica a democracia como um todo.

Num mundo onde predomina a desordem mundial e onde o desejo por respostas simplórias ganha força, nós, jornalistas, não devemos vender a nossa alma. Credibilidade é a alma do nosso negócio. Não há diálogo com o nosso público sem verdade, e democracias necessitam do diálogo para funcionar.

No nosso mundo desordenado, as reportagens de Claas Relotius eram como faróis na escuridão para mim. Elas davam voz a pessoas sem voz. Como colega e como leitora, elas me faziam observar atentamente a realidade e questionar estruturas de poder.

Com razão, Claas Relotius fez do detento de Guantánamo Mohammed Bwasir e dos órfãos Alin e Ahmed, da cidade síria de Aleppo, protagonistas de seus textos. Mas por que ele colocou palavras em suas bocas? Por que ele os empurrou para situações fictícias que nunca aconteceram? Por que, afinal, ele optou por contar histórias inventadas em vários casos? A verdade já é dramática o suficiente.

Quem quer ser jornalista na Alemanha tem de assumir o compromisso de trabalhar de forma ética. Nosso Código de Ética não deixa margem para dúvidas. "O respeito à verdade, a proteção da dignidade humana e a informação fidedigna da população são os mandamentos supremos da imprensa", consta ali, preto no branco. Claas Relotius se colocou acima de qualquer ética. Esse superambicioso pisoteou sobretudo a dignidade humana de seus protagonistas.

Mas também é verdade que o jornalismo digital de elevada produtividade e eficiência é um convite à fraude. O sistema é vulnerável. Poderia ter acontecido com a Deutsche Welle ou com qualquer outro veículo de comunicação. A luta global por exclusividade, agilidade e interpretação de fatos vicia. A Spiegel gostava de exibir as reportagens no exterior de seu repórter-estrela. O sucesso de Relotius era, também, o sucesso da Spiegel. Não é por acaso que o setor de fact checking [verificação de informações] da revista, sem par na Alemanha, tenha falhado justamente no caso Relotius.

A direção das empresas de jornalismo e os chefes de redação precisam relembrar constantemente a si mesmos que o bom jornalismo demanda tempo e espaço. Uma reportagem no exterior também é boa sem cores berrantes. O eterno superlativo destrói a veracidade.

E nós, jornalistas, precisamos entender que carregamos grandes responsabilidades. Somos a ponte do diálogo num mundo desordenado. Somos o corretivo do populismo. Se nós fracassamos, se nós mentimos, prejudicamos a sociedade. Para a democracia, muita coisa está em jogo.

Ao nosso público eu dirijo o apelo para que não condenem a todos nós pelos erros de um único colega. Claas Relotius é um caso isolado perigoso. Já houve falsários antes dele, que alimentaram a acusação da "imprensa da mentira". Mas não existe A imprensa da mentira. A maioria de nós faz um trabalho honesto, com convicção, para dar uma voz a crianças como Alin e Ahmed de Aleppo.

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Sandra Petersmann
Sandra Petersmann Chefe de Pesquisa e Investigações