É assustador assistir a rapidez com que os valores europeus são jogados ao mar devido à pressão da crise dos refugiados na União Europeia (UE). A maneira de lidar com o fluxo crescente de refugiados, requerentes de asilo e migrantes que vêm dos países vizinhos à Europa se tornará, numa velocidade vertiginosa, uma prova de fogo para a UE, se nenhuma medida for tomada rapidamente.
Não há mais garantias de que um tratamento humanitário será dado aos refugiados. Alojamentos abarrotados, quadrilhas de traficantes de pessoas, atos de xenofobia, acampamentos desumanos em estações ferroviárias, no túnel do Canal da Mancha ou no meio de Bruxelas: tudo isso é uma realidade amarga e não tem mais nada a ver com a tão evocada Europa da solidariedade e da justiça.
Até mesmo a chanceler federal alemã, Angela Merkel, não parece ter um plano. Por um lado, ela diz em entrevistas que a chamada Convenção de Dublin da UE não funciona mais. Por outro, insiste que Hungria, Grécia e Itália cumpram a legislação disfuncional. Segundo a convenção, o requerente de asilo é responsabilidade do país pelo qual entrou na Europa.
Assim não pode continuar. Alemanha, Áustria e outros países que recebem a maior parte dos requerentes de asilo, exigem uma divisão "justa" dos refugiados por todos os 28 países-membros da União Europeia. A maior parte deles, porém, não está sendo atingida pela atual crise e, por isso, não tem interesse algum numa reforma. Enquanto os requerentes de asilo tiverem como destino a Alemanha, Suécia e Áustria, está tudo tranquilo, pensam poloneses, espanhóis, irlandeses, finlandeses e muitos outros. Solidariedade? Que nada.
O sistema jurídico atual se dissolve devido à pressão, e a União Europeia assiste a tudo de braços cruzados. O governo da Hungria tenta lidar com as condições caóticas erguendo uma cerca na divisa com a Sérvia e enviando os requerentes de asilo à Áustria ou à Alemanha. Áustria e Alemanha, por sua vez, se defendem com um controle reforçado. Viena ameaça lançar mão de consequências financeiras para os membros da UE que não demonstrarem solidariedade, já que estes têm se beneficiado dos contribuintes austríacos.
Assim, conflitos entre países da União Europeia podem eclodir rapidamente e resultar na restrição da livre circulação no chamado espaço Schengen, com controles nas fronteiras. Se não é possível confiar no cumprimento das regras por parte de outros países da UE, é preciso proteger as próprias fronteiras – uma lógica que compromete as conquistas europeias. Na questão dos refugiados, há um bom tempo está valendo outra vez o princípio de São Floriano: poupe minha casa, coloque fogo na do vizinho.
Há anos, Atenas já deixou de ter decência na política de refugiados: não há nem alojamentos nem processos para asilo. A Grécia simplesmente leva as pessoas pelas quais deveria se responsabilizar para a fronteira ao norte e os coloca na rota dos Bálcãs. Da Sérvia, essas pessoas voltam à União Europeia pela Hungria, apesar de já terem estado na UE ao chegarem à Grécia. Assim, é possível entender até certo ponto por que Budapeste não pretende tolerar isso. A Itália age moderadamente de forma parecida. O Reino Unido tenta se isolar e briga com a França pela proteção do Eurotúnel e do porto de Calais. Há um estigma no meio da Europa.
Ninguém no continente se preparou para o previsível aumento do número de refugiados, nem a Alemanha. Há anos, a capacidade de alojamento no país tem sido reduzida. O governo alemão tem poucos funcionários em órgãos públicos encarregados de conceder ou negar asilo.
Nos últimos dias, o que se tem ouvido em Bruxelas é pouco esclarecedor. A Comissão Europeia ressalta que, em maio, foi feito um plano com dez pontos a serem seguidos. O projeto, porém, não foi implementado pelos membros da UE. À epoca, a comissão decretou estado de emergência na Grécia e na Espanha. A realocação dos requerentes de asilo ou dos reconhecidos como refugiados de guerra de lá para outros países do bloco europeu não ocorreu até hoje.
Se os ministros do Interior da União Europeia, que se reunirão dentro de 13 dias, não entrarem em acordo rapidamente sobre uma reforma vigorosa da Convenção de Dublin, centros comuns de asilados e sobre a distribuição dos migrantes, a UE retornará à era das barreiras, das cercas e dos muros. Além do péssimo destino para os refugiados, isso colocaria o projeto europeu em estado de emergência.