O presidente Donald Trump podia ter escolhido levar adiante a promessa que fez aos beneficiários do programa Ação Diferida para os Chegados na Infância (Daca, em inglês) após sua posse, quando disse em uma entrevista à rede de televisão americana ABC que "eles não deveriam ficar muito preocupados". "Eu tenho um grande coração. Nós vamos cuidar de todos", afirmou.
Leia mais: Trump acaba com programa de proteção a jovens imigrantes
Trump poderia ter acatado os conselhos de líderes empresariais e religiosos, representantes da sociedade civil e políticos de ambos os partidos que pediram que ele não acabasse com um programa do qual o país se beneficiou economicamente. O Daca permitiu que jovens que foram levados aos EUA quando crianças se tornassem membros oficiais da sociedade no único lugar que a maioria deles realmente conhece.
Ou Trump poderia ter apenas escolhido ser solidário e simplesmente fazer a coisa certa e adequada ao líder dos EUA, prorrogando o Daca e fazendo em seguida um grande discurso explicando à nação por que a permissão dos chamados "dreamers" (sonhadores) é o jeito americano de agir.
E então, aos estados liderados por republicanos que ameaçavam mover um processo judicial se ele não cortasse o programa, Trump poderia ter dito "façam isso", garantindo que a defesa do Daca visa os interesses dos EUA. Mas Trump decidiu não fazê-lo.
Em vez disso, ele escolheu dobrar seus impulsos nacionalistas e anti-imigrantes que alimentaram sua ascensão à Casa Branca, e cortar um programa que protegeu cerca de 800 mil jovens imigrantes da deportação.
Essas são pessoas que foram trazidas ao país como crianças. Eles são cumpridores da lei, membros da sociedade que pagam impostos, que trabalharam e viveram nos EUA – e até mesmo serviram nas Forças Armadas – por anos, com uma única diferença fundamental em relação aos cidadãos e aos que possuem o green card: eles não têm status permanente de residência. O fato de Trump anunciar agora que acabará com o programa que os protege é vergonhoso e mesquinho.
Para ser correto, Trump, que geralmente desfruta de todas as oportunidades para mostrar ao mundo que é ele quem toma as decisões finais em Washington, desta vez delegou o trabalho sujo de anunciar a eliminação do Daca a seu procurador-geral, Jeff Sessions, que já havia declarado sua oposição ao programa e, nesta terça-feira (05/09), não parecia infeliz ao tornar a decisão oficial. O presidente, no típico estilo Trump, também pediu providências sobre o assunto, instando o Congresso pelo Twitter a "fazer seu trabalho".
Pedir ao Congresso que elabore uma solução logo depois de ele ter acabado com o programa que protege muitos jovens de serem deportados por sua própria administração é ridículo – mas permite a Trump comer o bolo e ao mesmo tempo preservá-lo, como dizem os britânicos.
Em sua próxima campanha eleitoral, ele pode dizer à sua base nacionalista e anti-imigrante que cumpriu a promessa eleitoral e encerrou o odiado programa de Barack Obama de proteção aos "dreamers". E ele pode, ao mesmo tempo, dizer a eleitores e legisladores que sua decisão se baseia em preocupações constitucionais: Obama, que havia introduzido a Daca por decreto na ausência da maioria do Congresso, excedeu as prerrogativas do Executivo. Não importa que o próprio Trump, no passado, nunca tenha exitado em reivindicar amplos poderes ao Executivo.
O argumento de Trump é desonesto e precisa ser rejeitado. Se o Congresso falhar – e seu histórico até agora sugere que isso não é improvável – em encontrar uma solução para proteger os "dreamers" da deportação, a responsabilidade pelo destino deles estará novamente nas mãos de Trump, que, como presidente, poderia ter agido, mas também preferiu não fazê-lo.
No entanto, a decisão de Trump de acabar com o Daca vai muito além do alcance limitado da imigração, pois mostra que, quando o momento decisivo chega e os tempos são difíceis, o presidente sempre atenderá sua base nacionalista e anti-imigrante.
Essa foi a cartilha adotada por Trump tanto em sua reação à violência da extrema direita em Charlottesville quanto em seu controverso perdão ao xerife Joe Arpaio, um herói para muitos eleitores contra imigrantes. O destino do Daca seria uma oportunidade para Trump corrigir sua posição, e desculpe se isso parecer cafona, para finalmente se apresentar como presidente de todos os americanos.
Mais uma vez, ele decidiu não fazê-lo. Embora isso seja prejudicial ao país, também é útil para finalmente acabar com a esperança de que Trump, de alguma forma e algum dia, mudará e amadurecerá no cargo de presidente.