Opinião: Democracia russa é só fachada
O resultado anunciado da eleição parlamentar russa não é uma surpresa. Provavelmente a conquista da clara maioria de dois terços da Duma (câmara baixa) pelo partido do poder, Rússia Unida, já era algo há longo tempo previamente decidido em Moscou – assim como a entrada de apenas outros três partidos, na verdade também controlados pelo Kremlin.
O Kremlin conseguiu obter o resultado desejado, sem que tenha havido protestos em massa, como há cinco anos. Na época, milhares de russos foram às ruas de Moscou e São Petersburgo, sob um frio congelante, para protestar contra fraudes eleitorais e manipulações.
É verdade que também houve desta vez gravações de vídeo e outros indícios de fraude eleitoral, como cédulas de votação adicionais depositadas nas urnas aos montes. Mas, ao contrário de 2011, na Rússia de 2016 isso não resulta em mobilização de descontentes. A repressão dos últimos anos levou a maioria à apatia política.
Para os críticos do Kremlin, jamais houve chances verdadeiras contra um partido Rússia Unida favorecido por todos os lados, seja na mídia, seja pelo próprio governo. Assim, o Kremlin também conseguiu embelezar a fachada democrática e, por exemplo, nomear uma nova presidente da Comissão Eleitoral, reduzir de 7% para 5% o percentual mínimo necessário de votos para permitir a entrada de um partido no Parlamento e autorizar a participação no pleito de partidos críticos ao Kremlin.
No clima político de uma Rússia supostamente ameaçada por estrangeiros, a campanha política, sem conteúdo e discreta, teve somente a tarefa de tornar clara para os eleitores a falta de alternativas ao partido de Putin, Rússia Unida.
Como esse conceito de despolitização da sociedade russa funcionou é algo que fica patente na baixa participação de, supostamente, cerca de 48%. Em 2011, cerca de 60% tinham ido votar, embora ambos os valores possam ter sido manipulados para uma marca bem acima da realidade.
Baixo comparecimento às urnas na Rússia não pode ser comparado a algo semelhante em Estados democráticos. Porque na Rússia todos os eleitores sobre os quais o Estado tem acesso direto (por exemplo, funcionários públicos, soldados, professores, funcionários de empresas estatais industriais e agrícolas) são enviados para votar de forma mais ou menos aberta. Especialmente fora das grandes cidades é difícil escapar à pressão.
Especialmente os russos que são economicamente menos dependentes de estruturas econômicas estatais e os que vivem nas grandes cidades, como Moscou e São Petersburgo, podem se dar ao luxo de exercer seu direito de não ir votar. E nessas cidades russas, a quota de afluência às urnas ficou muito abaixo dos valores reportados para todo o país, de cerca de 48%. Na noite da eleição, foram relatados até valores inferiores a 20%, que voltaram a subir durante a madrugada – talvez por causa das cédulas adicionais?
Uma prova da apatia política amplamente difundida é quando a participação eleitoral nas cidades russas anunciada oficialmente – e provavelmente manipulada – fica em apenas cerca de um terço dos eleitores.
Por agora, esse desinteresse político favorece o Kremlin. Ele tem a composição desejada da Duma. Mas que legitimidade há por trás de uma instituição política, quando a clara maioria dos eleitores de Moscou, São Petersburgo ou Novosibirsk não vai às eleições legislativas e enquanto no resto do país, de forma mais ou menos forçada, mal a metade dos eleitores vai às urnas? A fachada democrática da Rússia está construída sobre um fundamento bastante arenoso.
Por isso, também não surpreende que precisamente no dia seguinte à eleição apareçam planos do Kremlin para reunir toda a inteligência e estruturas de segurança novamente em um grande e todo-poderoso "Ministério de Segurança Estatal", análogo à KGB.
O jornalista Ingo Mannteufel é chefe da redação russa da Deutsche Welle.