Opinião: Dinheiro é liberdade impressa – vamos defendê-lo
Dinheiro vivo favorece a criminalidade, já pregava o prestigiado economista americano Kenneth Rogoff durante um giro pela Alemanha. E o Ministério alemão das Finanças igualmente evoca o combate à lavagem de dinheiro e à sonegação de impostos para justificar seu recém-anunciado plano de limitar em 5 mil euros as transações em espécie dentro do país. Além disso, o numerário é também considerado um importante elemento no financiamento do terrorismo.
Contudo é bem ingênuo quem acredite que um teto para pagamentos em moeda vá fazer os criminosos abandonarem seu negócio, de pura frustração, e virarem gente honesta. As energias criminosas vão explorar outros canais – por exemplo, na internet. Prova é que a lavagem de dinheiro já aumentou fortemente com a ajuda da ciber-moeda bitcoin.
Como exemplo positivo, os partidários da eliminação do numerário citam os países escandinavos; na Suécia, dizem, em breve ele terá sido inteiramente abolido. Em 12 países da União Europeia já vigora o teto para pagamentos em moeda, e em nenhum deles isso foi motivo para que irrompesse uma revolução. Em outras palavras: os alemães que deixem de melindres.
Contudo esse argumento não é totalmente sólido: 12 são menos da metade dos 28 Estados-membros da UE. Além disso, os alemães partilham a preferência por cédulas e moedas com a maioria dos povos deste mundo – por exemplo, com os chineses. Seria inimaginável uma Festa da Primavera sem os envelopes vermelhos com notas dentro, como presente obrigatório para as crianças.
Certo: presentes em dinheiro também abrem as portas à corrupção. E onde não existe mais dinheiro, também não há mais assaltos a bancos nem furtos – é um outro argumento comum. Em contrapartida, também é fato que nenhuma infraestrutura eletrônica está vacinada contra falhas, e que a perda do cartão de crédito pode ser bem mais dolorosa do que a de algumas cédulas.
Porém isso não é tudo: dinheiro é horrivelmente sujo, praticamente a coisa mais anti-higiênica que existe. Segundo se afirma, sobre cada cédula de euro abundam, em média, 11 mil bactérias. Foi a MasterCard quem chamou nossa atenção para esse insustentável estado de coisas. E a operadora de cartões de crédito se coloca plenamente à disposição para nos livrar desse mal.
Este e outros estudos, contudo, não conseguiram estragar o apetite dos alemães pelo contante. O que não mata, engorda. Como divulgou recentemente o banco central alemão Bundesbank, 79% de todas as transações no país seguem sendo fechadas em espécie.
Isso talvez se deva ao fato de que – depois de duas desapropriações totais no século passado – os alemães se apeguem de forma especial a um dinheiro que funcione, e por isso ainda estão um tanto atrasados em termos de comércio eletrônico.
Entretanto um outro fato é que muitos simplesmente se sentem bem comprando anonimamente. Quando pago em dinheiro no supermercado, ninguém, além da minha família, sabe o que eu tinha no carrinho de compras. Num mundo sem cédulas e moedas, nós nos tornaríamos totalmente clientes de vidro, com contas de vidro. George Orwell e o "Big Brother" mandam lembranças.
Mas talvez seja exatamente essa a meta do governo: primeiro se estipula um teto máximo. Depois ele é abaixado cada vez mais, até que nós, consumidores, nos sintamos como semicriminosos pelo simples fato de tocar o vil e imundo metal.
Será que o alvo do governo alemão não são os grupos terroristas ou os sonegadores de impostos, mas sim, desde o início, nós, cidadãos normais? Só que os políticos não podem e não querem comunicar isso tão abertamente? Os economistas são mais diretos: sem o fator desagregador do dinheiro em espécie, "seria mais fácil os bancos centrais imporem taxas negativas de juros, para assim impulsionar a economia", revela um ex-economista-chefe do FMI, o supracitado Kenneth Rogoff.
Por enquanto, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, ainda se contém. Pois os clientes bancários poderiam recorrer ao dinheiro em espécie, causando, assim, o colapso do sistema financeiro. Se essa saída de emergência estivesse fechada, os juros negativos seriam coletados no momento em que o BCE os anunciasse.
No admirável mundo novo sem dinheiro vivo, teríamos, então, um poderoso Banco Central e um Estado capaz de exercer controle total sobre seus súditos, livrando-se, de quebra, de todo tipo de dívidas.
A coisa não pode chegar tão longe. "Dinheiro é liberdade impressa", já dizia o autor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Não devemos abrir mão dela tão levianamente assim.