O terrível ataque terrorista à badalada boate Reina, em Istambul, já havia se anunciado muito antes de os setores ocidentalizados e portanto modernos da sociedade turca terem iniciado sua contagem regressiva dos últimos segundos de 2016. Nas semanas anteriores, charlatões com títulos como "imã" ou "hodja" praguejaram contra festejos de Ano Novo nas redes sociais. Eles também não hesitaram em chamar os apoiadores da conduta ocidental de infiéis e, assim, transformá-los em alvos de possíveis atos de violência. Até a Presidência de Assuntos Religiosos, maior instância religiosa da república secular turca, manifestou-se, na sua prédica distribuída às mesquitas, contra os festejos de réveillon, afirmando que eles não são condizentes com a cultura islâmica.
Diante disso, a pergunta não era mais se, mas onde os terroristas radicais islâmicos armados iriam atacar na noite de Ano Novo. Por isso, a polícia de Istambul destacou 17.500 policiais para evitar um banho de sangue. Mas justamente diante da boate Reina havia apenas um policial, que foi morto pelo atirador antes de este matar e ferir a esmo outras pessoas. O que não falta agora são teorias da conspiração, mas o fato é que a Turquia está diante da pior crise política, até mesmo do maior caos desde a sua fundação, em 1923.
Cegado por seu objetivo de transformar a Turquia numa república presidencial e a si mesmo num autocrata, o presidente Recep Tayyip Erdogan comete um erro atrás do ouro e caminha rumo à autodestruição. Os tempos em que Erdogan empolgava a União Europeia e também a Alemanha como um reformador há muito se foram. Em vez de conduzir uma Turquia política e economicamente intacta e culturalmente orientada a valores contemporâneos para a União Europeia, ele vai jogando fora, de forma irremediável, a confiança em sua pessoa.
Em vez de consolidar o curso anterior de reconciliação com os curdos, ele optou pelo confronto direto com eles. Desde a anulação das eleições parlamentares de 7 de junho de 2015, na prática levada a cabo por ele, ataques terroristas na Turquia já mataram quase 1.500 pessoas e deixaram centenas de feridos. O recente atentado mostra que essa violência assassina ainda não chegou ao fim. Uma análise realista da situação mostra que há que se temer muitos outros ataques terroristas neste ano. As consequências para a economia, para a força da moeda nacional e também para o turismo já podem ser sentidas, e de forma dolorosa.
Uma reviravolta não é mais possível para Erdogan. Ele terá que combater, ao lado da Rússia, até o fim, na Síria, contra a milícia terrorista "Estado Islâmico", uma organização cujo espírito Erdogan e seus seguidores invocaram com luvas de pelica e do qual agora não conseguem mais se livrar. Ao mesmo tempo, as Forças Armadas turcas lutam contra os curdos sírios para impedir que estes consigam formar um território contínuo ao longo da fronteira turca. Internamente há a luta contra a organização, classificada de terrorista, de um antigo aliado, o clérigo Fethullah Gülen. Mais de 100 mil funcionários públicos foram demitidos ou afastados do trabalho, e mais de 40 mil pessoas foram detidas por supostamente serem membros da organização de Gülen. Provas convincentes disso não há.
Se Erdogan quiser recuperar um pouco da confiança perdida tanto com a população turca como no exterior, ele terá que fazer mais. Isso inclui, por exemplo, que ele se engaje pessoalmente na procura pelo atirador depois de um ato terrorista como o de Ano Novo, em vez de se contentar com uma declaração por escrito. Isso inclui não só rejeitar imediatamente as ameaças àqueles que se orientam pelos valores europeus e optam por outro estilo de vida. Ele deve também pôr em movimento a Justiça e a polícia, subordinadas a ele, para que a ameaça pública a pessoas e instituições seja coibida de forma eficaz. E isso inclui, também, que ele pare de culpar publicamente a União Europeia e sobretudo a Alemanha por apoiar terroristas e suas organizações e dar abrigo a eles.
Na Alemanha, Estado de direito significa que Justiça e autoridades de segurança são obrigadas a provar de forma concreta a culpa de pessoas acusadas antes de elas serem condenadas. Na Turquia, porém, o simples ato de pensar já é uma afronta à autoridade estatal e, assim, passível de punição com detenções. Para recuperar a liberdade, o indivíduo é que tem de provar a sua inocência. Por isso, mais de 170 jornalistas, escritores e cientistas estão atrás das grades e precisam suportar, dentro das condições do estado de exceção, interrogatórios de até cinco dias antes de poderem contatar um advogado. Desse jeito, a Turquia não vai conseguir fazer frente aos desafios do século 21.