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Esperando (e torcendo) por Joe Biden

6 de junho de 2020

Indagada se ainda confiava em Trump, Merkel respondeu com uma evasiva. Muito se destruiu nos últimos quatro anos, e é difícil imaginar que as relações teuto-americanas sobrevivam a mais um mandato, opina Sabine Kinkartz.

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Angela Merkel (esq.) e Donald Trump em cúpula da Argentina  em 2018
Angela Merkel (esq.) e Donald Trump em cúpula da Argentina em 2018Foto: Getty Images/AFP/S. Loeb

Não, este não será um necrológio das relações teuto-americanas – embora, no momento, não haja motivo para ainda classificá-las como realmente existentes e vivas. É duro suportar que justamente essas relações estejam tão esfaceladas, e um fraco consolo o fato de o disfuncional relacionamento da Alemanha com os Estados Unidos não ser caso único, do ponto de vista global.

As duas nações sempre foram algo de especial, um caso de amor, inquestionável e inabalável. No século 20, a América era o novo mundo, paladino da democracia, o país das infinitas possibilidades. Ainda nas décadas de 1980 e 1990, era um lugar de sonhos, não só para jovens alemães. Tão moderna, tão progressista, tão aberta para novas ideias. Uma viagem a Nova York, Chicago, San Francisco, Los Angeles: quem não ficaria maravilhado?

Também na política, EUA e Alemanha estiveram unidos durante décadas, aliados estreitos, e não só no sentido militar: como velhos cônjuges, até que a morte nos separe. O que não quer dizer que ninguém tenha jamais cometido um erro: a Alemanha como mau pagadora da Otan, seus excessos de exportações, sua relação com a China, muitas vezes acrítica, há muito eram pontos de conflito.

Mesmo sob o presidente Barack Obama, nem tudo era um mar de rosas. Mas ter diferenças nunca significou colocar substancialmente em questão as relações transatlânticas. Hoje tudo é diferente, e num nível tão fundamental, que não é preciso ter óculos cor-de-rosa para achar que o passado era glorioso.

Numa entrevista de TV, na quinta-feira (04/06), perguntou-se à chanceler federal Angela Merkel se ela ainda tinha confiança no presidente Donald Trump. Apesar de soar mecânica, a resposta dela colocou o dedo na ferida: "Eu trabalho ao lado dos presidentes eleitos do mundo, também do americano." Ela também poderia ter tido: como política, não tenho alternativa, tenho que aguentá-lo, é o meu trabalho.

Isso soa sóbrio e pragmático, mas é claro que não tanto faz para Merkel o que aconteça nos EUA. Como a maioria dos alemães, ela está horrorizada com a violência galopante, com a profunda fragmentação da sociedade americana e com o papel representado por Trump.

A chefe de governo denomina de "assassinato" a ação policial fatal contra George Floyd e se pergunta para onde irá o país polarizado: "Só posso torcer para que se encontre um campo comum, e me alegro que muitos contribuam para tal." Ela não se referia a Donald Trump.

Não há como ignorar que a chanceler federal desistiu de todo esforço para poder cooperar construtivamente com Trump. Ela nunca acreditou nele, mas de início havia, pelo menos do lado alemão, a esperança de que o cargo domaria o bilionário o suficiente para possibilitar uma política comum. Contudo essa esperança logo se desfez. O que se seguiu foi espanto incrédulo, incompreensão, indignação, horror, combinados a impotência política.

O que Merkel mais se ressente em relação a Trump é ele ter abandonado a cooperação internacional. Ele rechaça tudo o que, para a premiê alemã, é o fundamento de uma lei mundial funcional: organizações internacionais e ordem multilateral. Merkel sempre lutou por isso, pois está convencida de que política deve fazer confluir e unir.

A gota d'água para ela foi Trump sair da Organização Mundial da Saúde (OMS), em plena pandemia de covid-19. Mas o presidente bem gostaria de considerar a crise superada, e por isso não vê nenhum impedimento em promover a cúpula do G7 nos Estados Unidos, como encontro pessoal de chefes de Estado e governo. Até porque isso daria belas fotos de campanha eleitoral.

Mas Merkel não quer fornecer esse palco a Trump, e cancelou sua presença, aludindo ao coronavírus. Apoiar a campanha para esse presidente se reeleger em novembro? De jeito algum. A premiê está entre os que torcem por uma mudança de pessoal na Casa Branca. Ela sabe que se o presidente for o democrata Joe Biden, não vai tudo voltar à ordem: para tal, o mundo deu voltas demais. Mas talvez seja possível reconquistar a confiança perdida.

Até lá, cabe aguardar e observar à distância os acontecimentos nos EUA. O caos violento e a epidemia de covid-19, que continuam custando vidas humanas e esmagarão a economia, ainda ocuparão intensamente o país por muito tempo.

Mas o que será se, apesar de tudo, Donald Trump obtiver um segundo mandato? As relações teuto-americanas sobreviverão? Dificilmente, considerando-se tudo o que já foi destruído nos últimos quatro anos. Aí vai definitivamente chegar uma era do gelo. Então só resta mesmo torcer.

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