O assassinato de George Floyd foi provavelmente a única ocasião em que vários amigos e conhecidos me escreveram sobre um homicídio de cunho racista. Alguns compartilharam como estão se sentindo, e outros escreveram para dizer que estão do meu lado. Uma mensagem teve destaque especial.
"Você está feliz por não morar nos EUA no momento?", escreveu um amigo alemão no WhatsApp. "Infelizmente, os recentes acontecimentos são muito tristes", acrescentou.
Levei um dia inteiro para responder. Para mim, morar na Alemanha não é um alívio. Estou chateado e frustrado. Durante anos, homens e mulheres negros foram assassinados e mortos, mesmo pela polícia, apenas por serem negros. Para nós, o homicídio de George Floyd é um lembrete de que a violência de cunho racista resulta às vezes em morte.
Os protestos em cidades americanas, e agora até em algumas capitais europeias, são realmente sobre a frustração e o desespero que os negros sentem diante do racismo institucional e estrutural. Não devemos nos iludir pensando que isso é apenas um problema americano. Há um racismo generalizado contra os negros no mundo ocidental.
Em 2011, aconteceram protestos em Londres depois que Mark Duggan, um negro, foi baleado e morto pela polícia. Do outro lado do Canal da Mancha, na França, ocorreram grandes manifestações e revoltas após a morte de dois adolescentes em 2005; Bouna Traore e Zyed Benna foram eletrocutados numa subestação de eletricidade ao tentar escapar de policiais, enquanto um terceiro adolescente, Muhittin Altun, sofreu queimaduras graves, mas sobreviveu. No mesmo ano, Oury Jalloh, um requerente de refúgio de Serra Leoa, morreu num incêndio dentro de uma cela da polícia em Dessau, na Alemanha.
Pode ser fácil para alguns europeus olhar para os incidentes nos EUA e dizer que isso não acontece por lá, mas os negros do continente não têm esse luxo. Para eles, o racismo está muito vivo na Europa, apesar do fato de que a violência policial pode não parecer tão desmedida nos noticiários. Essa é uma das razões pelas quais o assassinato de George Floyd desencadeou protestos generalizados para além das fronteiras americanas; os acontecimentos de lá abrem velhas feridas na Europa.
Dentro das sociedades ocidentais, as percepções sobre o que significa ser negro não diferem significativamente. Existem ideias que são em grande parte dominadas por alguns eventos históricos: escravidão e colonialismo.
Em Afropean: Notes from Black Europe (Afro-europeus: notas da Europa negra, em tradução livre), o escritor britânico Johny Pitts afirma que o tráfico transatlântico de escravos desempenhou um papel importante na definição de como a raça é vista no Ocidente. "[Isso] ainda informa e sustenta, mesmo que em nível subconsciente, as hierarquias na civilização ocidental e em todo o mundo", escreve Pitts.
Infelizmente, as narrativas na mídia e nos currículos escolares fizeram muito pouco para transformar a maneira como as pessoas veem a noção de raça. Para mim, a mensagem do meu amigo perguntando se eu estava feliz por morar na Alemanha ignorava claramente o racismo cotidiano neste país. Em 2017, os negros foram identificados no Plano de Ação Nacional da Alemanha contra o Racismo (Nationaler Aktionsplan gegen Rassismus) como um dos cinco grupos sociais com maior risco de sofrer racismo. Mas isso só ocorreu após anos de pressão do Comitê das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que afirmou repetidamente que Berlim não estava fazendo o suficiente para combater o problema.
Na Europa. a Alemanha não está sozinha. É impressionante a falta de sensibilização e conscientização pública sobre o racismo no continente. E é difícil obter uma noção clara de como a discriminação racial afeta as pessoas de cor no continente europeu, porque esses dados não são coletados, com exceção do Reino Unido.
Diante dos atuais protestos nos EUA, não é hora nem lugar de os europeus dizerem que a situação é melhor por lá ‒ basta olhar para a Grécia e como o país lida com refugiados.
Pessoas de cor, principalmente negros e africanos, sofrem frequentemente nas mãos das autoridades e da sociedade como um todo. Mais recentemente, a Rede Europeia Contra o Racismo (Enar) afirmou que a discriminação racial e a violência policial no continente, durante a atual pandemia de covid-19, está afetando desproporcionalmente as comunidades de minorias étnicas.
O assassinato de George Floyd é mais um lembrete do racismo institucional e estrutural ‒ algo que Aminata Touré, uma estrela em ascensão na política alemã de origem africana, apontou em recente artigo editorial para a revista Bento.
"Talvez não se deva dizer a alguém para estar contente só porque ele não está sendo baleado", escreveu Touré.
Só porque não estamos lendo sobre mortes, não significa que o racismo também não seja um problema na Europa. Não existe nenhum nivelamento por baixo quando se trata de qualquer forma de injustiça. A melhor maneira de mostrarmos nossa solidariedade é lembrar o nome de George Floyd e discutir injustiças raciais e como elas afetam a vida das pessoas em nossas próprias sociedades, para que possamos evitá-las.
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