Quando organizações de direitos civis e ciberativistas se unem ao inventor da World Wide Web, Tim Berners-Lee, e ao fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, e a outros representantes do setor cultural da internet para combater um projeto de lei da União Europeia, o melhor que os usuários da internet podem fazer é prestar atenção.
Se esses protestos atraem também a indústria da internet – representada pela associação alemã Bitcom –, a gigante Google, cientistas de toda a Europa e finalmente a ministra alemã para a Digitalização, Dorothee Bär, é perigo na certa.
E quando essa ministra manifesta suas preocupações sobre os efeitos desse projeto de lei sobre a sociedade civil, não deve mais restar nenhuma dúvida.
De que se trata? O Parlamento Europeu tinha diante de si o projeto de lei de uma reforma sobre os direitos autorais. Dois pontos se mostraram altamente controversos: um copyright complementar para empresas de mídia e filtros de upload para serviços como o YouTube e similares.
A lei complementar de copyright prevê que mecanismos de busca como o Google não poderiam mais exibir títulos e trechos de textos jornalísticos sem a permissão das editoras. O objetivo é que as empresas de mídia, como proprietárias dos textos jornalísticos, tenham alguma participação nas receitas com publicidade da Google.
A ideia em si é boa, mas não funciona. Na Espanha, por exemplo, lei semelhante já foi introduzida. A Google acabou desativando seu serviço Google News para escapar de pagar as empresas pelo conteúdo. O resultado: a audiência da mídia espanhola desabou – assim como a receita publicitária.
Ainda mais dramático era o plano de aumentar a responsabilidade das plataformas de vídeo sobre o conteúdo publicado por seus usuários por meio da instalação de filtros de upload. Com esses filtros seria possível verificar, já na hora do upload, se o conteúdo em questão estaria protegido por copyright. Só que esses filtros não bloqueariam apenas violações sérias, mas também conteúdos que entretêm milhões de usuários todos os dias, como memes e mashups (músicas e vídeos criados a partir da mistura de outros).
Assim, vídeos que mostram montagens de Neymar rolando por diversos cenários do mundo acabariam sendo barrados, assim como gifs de cenas cinematográficas. Até mesmo a Fundação Wikipédia soou alarme: ela temia que mesmo seus arquivos de mídia fossem vítimas dos filtros.
Certo, pode-se argumentar que é possível viver sem tudo isso. Mas há objeções mais sérias aos filtros de upload. A mais grave: tais filtros podem em último caso conceder poder de decisão para provedores e plataformas sobre o que podemos ver na internet – e o que não podemos. E se violações de copyright são filtradas tecnicamente, o próximo passo pode ser a censura política.
Inconcebível? Na China, a Google chegou a trabalhar com as autoridades locais responsáveis pela censura. Tudo para não colocar em risco sua presença no país. Tecnicamente, não foi um problema.
O outro argumento contra os filtros de upload é que pequenas plataformas não têm como arcar com recursos tecnicamente tão complexos. O sistema mais difundido, chamado Content ID, foi criado por quem? Isso mesmo: a Google. Com os filtros de upload, grandes empresas acabariam se fortalecendo ainda mais, ao invés de serem enfraquecidas, como era a intenção da lei europeia de copyright.
É uma boa notícia que o Parlamento Europeu tenha abandonado essa loucura. Mas a lei ainda não está inteiramente descartada. Em setembro os eurodeputados deverão voltar a analisar o rascunho e sugerir emendas. Estas teriam que ser substanciais – e não apenas cosméticas – na questão dos direitos autorais e dos filtros de upload.
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