Joachim Gauck é um bom presidente. Ele é teólogo evangélico, foi pastor e ativista dos direitos civis na ex-República Democrática Alemã (RDA). Seu nome simboliza o resgate crítico das injustiças na Alemanha sob regime comunista. E se, por esse motivo, uns ou outros o olham de lado no leste do país, isso é uma honra para ele.
"Por nada desse mundo vou deixar de ir a uma eleição", foi a frase formulada pelo político, então com 72 anos, num domingo de março de 2012, quando a Assembleia Federal alemã o elegeu por esmagadora maioria como 11º presidente do país. De sua perspectiva muito pessoal, ele porta em si o saber sobre a democracia e a liberdade – de forma bem diferente da chanceler federal, Angela Merkel, igualmente natural da RDA.
E Gauck promove esses valores a seus próximos insistentemente, antes como narrador do que como pregador. Gauck sabe o que a República Federal da Alemanha (RFA) representa e o que ela significou também para os que viviam privados de liberdade nos tempos do Muro de Berlim.
Quando, em março deste ano – ao visitar a cidade de Bautzen, na Saxônia, onde ainda fumegavam os restos de um abrigo para refugiados incendiado – ele quis demonstrar solidariedade, e agitadores neonazistas o xingaram de "traidor", viam-se em seu rosto as emoções que revolviam dentro dele. Como presidente, Gauck está a serviço do povo.
Isso é algo que talvez os seus muitos discursos sobre a atual crise de refugiados tenham evidenciado. Em janeiro, no Fórum Econômico Mundial em Davos; numa extensa entrevista de rádio no início de fevereiro; ou no Palácio Bellevue, a residência presidencial, algumas semanas mais tarde.
O chefe de Estado falou de uma "limitação" do afluxo migratório de forma soberana, estando acima de qualquer suspeita de defender um isolamento nacional. E em cada uma dessas ocasiões suas palavras agiram como uma espécie de ponte para a chanceler federal alemã. Gauck formulou sua mensagem de forma intencionalmente europeia – coisa importante hoje em dia –, pedindo para que, na crise migratória, se considerasse mais a coesão da comunidade europeia.
Em abril de 2015, por ocasião do centenário do massacre dos armênios, ele empregou precisamente o termo "genocídio" – não somente um ano mais tarde [no início de junho de 2016, o Parlamento alemão reconheceu como genocídio o massacre de armênios pelo Império Otomano].
Em viagens ao exterior, como recentemente à China, ele tematizou os direitos humanos ou o Estado de direito sem qualquer pedantismo pedagógico. Diante da Rússia, proferiu algumas palavras duras, como, por exemplo, por ocasião do 75° aniversário do início da Segunda Guerra Mundial. Isso talvez se deva a suas vivências no Bloco Comunista, mas também a seu constante intercâmbio com outros dirigentes da Europa Central e do Leste.
Não menos importante é Joachim Gauck ter conferido uma autoridade renovada ao cargo presidencial, desde que ocupou o Palácio Bellevue em 2012. Uma autoridade que estava abalada desde as renúncias, por motivos distintos, de seus dois antecessores, Horst Köhler e Christian Wulff.
Gauck deverá ser o último presidente alemão a ter nascido durante a Segunda Guerra e ainda ter lembranças pessoais da época. Nesse sentido, o 11° presidente da República Federal da Alemanha também representa o fim de um capítulo histórico.
É possível ocupar o posto de rainha do Reino Unido aos 90 anos. Mas também se pode despedir-se do cargo de presidente alemão aos 77 anos. Joachim Gauck já insinuara algumas vezes que só uma situação de emergência extrema no país o levaria a um segundo mandato. Ao que tudo indica, ele não está vendo tal emergência. A mudança no cargo de presidente é "normalidade democrática, também em tempos desafiadores, em tempos difíceis", afirma ele.
Como se percebia antes e se percebe ainda hoje, Joachim Gauck considera importante o cargo de presidente: ele não se acha tão importante enquanto pessoa. Na Alemanha, com sua democracia parlamentar, o Parlamento é soberano. Mas, como também ficou demonstrado nesta segunda-feira (06/06), até março de 2017 o país conta com um presidente agradavelmente soberano.