No princípio era a dúvida. Quando as postagens sobre #MeToo de amigas, colegas e inúmeras mulheres desconhecidas inundaram a minha timeline, em meados de outubro de 2017 – às vezes com relatos sobre assédio sexual e violência, às vezes não –, eu passei a apoiar o coro das afetadas.
A hashtag #MeToo foi trend em 85 países e, apenas no primeiro dia, usada 200 mil vezes no Twitter. Mesmo assim, eu não tinha certeza se ela resultaria em algo mais do que uma campanha de rede social e uma curta onda de indignação frente à cultura machista de Hollywood.
Mas sim, resultou! Pode ser que o grau de conscientização sobre sexismo e abuso estrutural de poder, que se desenvolveu nos 12 meses desde o escândalo em torno do produtor de cinema Harvey Weinstein, varie de país para país e seja percebido de forma diferente pelas pessoas. Uma coisa, porém, é certa: o debate está longe do fim.
Apenas duas semanas atrás, usuárias do Twitter explicavam, sob a nova hashtag #WhyIDidNtReport (por que não relatei), por que não denunciaram experiências antigas de abuso sexual, muitas vezes nem sequer as confiaram a alguém.
Nesta semana, a lenda da TV americana Bill Cosby cumpre, aos 81 anos, os primeiros dias de sua pena de vários anos de prisão por abuso sexual, e as alegações de assédio de três mulheres contra Brett Kavanaugh, indicado pelo presidente Donald Trump à Suprema Corte, pôs o FBI em ação e o país, em suspense.
Na Alemanha, o recém-criado Centro contra o Assédio e a Violência Sexual, por parte de uma ampla aliança da área de cinema, televisão e teatro, começou a funcionar esta semana.
Também na China o debate ganhou impulso recentemente, e, no Sudão, a vigorosa crítica de uma jovem ao assédio sexual, no programa de TV da DW Shababtalk, provocou ameaças de violência e clamores de boicote. E, em janeiro, está planejada mais uma Marcha Mundial das Mulheres.
O sistema cambaleia, os limites do que é tacitamente aceito mudaram claramente, mas exatamente o caso de Kavanaugh mostra que mudanças sociais profundas requerem muito tempo.
Para muitas mulheres, é um tapa na cara o fato de o Comitê Judiciário do Senado americano quase ter enviado o nome do jurista para votação final sem uma investigação das acusações. Pois isso só pode significar que políticos de alto escalão em Washington não estão cientes ou não se importam com o sinal que a decisão revogada somente na última hora teria enviado às vítimas de agressão sexual.
Não vamos nos iludir: é preciso bem mais do que um ano para corrigir equilíbrios de poder problemáticos e normas de convivência social que ainda são muito convenientes ou benéficas para muitos. Uma solidariedade consistente dos sensibilizados com os afetados poderia acelerar esse processo.
O caso da atriz e produtora Asia Argento – a ativista do #MeToo que enfrenta agora acusações de abuso sexual – mostra também que tais papéis não podem ser atribuídos de forma genérica a homens ou mulheres.
E há avanços: uma pesquisa recente da organização britânica de direitos das mulheres The Fawcett Society constatou que a maioria dos homens entre 18 e 34 anos disseram estar mais engajados no combate ao assédio sexual desde o #MeToo.
Ainda mais importante é o diálogo contínuo. Os medos iniciais instintivos de alguns diante de uma batalha dos sexos, de uma caça às bruxas a celebridades e de um alegado "não se pode mais nem paquerar" deixaram claro a dimensão da complexidade do debate e das deficiências percebidas.
Para que o impulso dado pelo #MeToo não esmaeçam até daqui a um ano, é preciso continuar a falar e discutir. Na mesa da cozinha e no trabalho, no Twitter e no metrô. E em todos os gêneros, gerações, níveis de renda, categorias profissionais e preferências políticas. Isso requer muita paciência de todos os envolvidos, tanto em ouvir quanto em explicar. Mas o ano passado mostrou que vale a pena.
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