Opinião: Não se trata de poder, mas de responsabilidade
29 de setembro de 2015Alemanha chegou aonde sempre deveria ter estado, e lá tomou o seu lugar: no centro da Europa. O francês Paul Claudel disse, no verão de 1945: "Vocês, alemães, não deveriam querer dominar a Europa. Mas sim – sendo o povo do centro, o povo com o maior número de vizinhos –, vocês deveriam fazer os povos em volta entenderem que só em conjunto eles têm um futuro."
Essa é a Alemanha europeia. No fundo, a República Federal da Alemanha, ou seja, a parte ocidental do país, reconheceu essa responsabilidade histórica imediatamente após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial e do domínio nacional-socialista, e agiu de acordo.
Com sua decisão precoce pela integração da República Federal ao Ocidente, a então Alemanha Ocidental definiu uma locação para todos os alemães: a comunidade das democracias ocidentais. E então a nação dividida, vencida assumiu a tarefa de abrir o caminho da equanimidade e do entendimento entre Leste e Oeste.
A política alemã de, através de acordos, evitar o conflito com o Leste Europeu abriu chances para um recomeço entre os dois blocos políticos. O grêmio encarregado disso foi a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), que apresentou, com a Ata Final de Helsinque, em 1975, um plano-mestre abarcando desde Vancouver até Vladivostok – ou seja, das democracias norte-americanas até toda a União Soviética, inclusive sua parte asiática.
O resultado foi a superação da divisão, não só da Alemanha, mas da Europa! "De verdade?" – perguntarão uns ou outros, vendo a atual paisagem política. A pergunta é justificada. Ao que parece, alguns não queriam, de forma alguma, o fim da divisão, e sim apenas um deslocamento da linha divisória do centro da Europa em direção ao leste.
No entanto isso seria um mal entendido histórico! E, aliás, também uma negação da filosofia da Carta de Paris de 21 de novembro de 1990, em que os Estados participantes da CSCE se pronunciavam a favor de um novo esboço para a cooperação na zona da conferência europeia.
Da mesma forma que a Alemanha, enquanto país dividido após a Segunda Guerra, forneceu novos impulsos para o processo da unidade europeia, a Alemanha reunificada está hoje convocada a dar novos impulsos a essa união da Europa, sobretudo em duas direções.
Em primeiro lugar, o processo de união deve ser levado adiante com clareza e decisão. Não se trata de mais ou menos Europa, mas sim da questão: seguir construindo a Europa ou retornar às velhas trincheiras. Em segundo lugar, isso significa não efetuar novamente a divisão europeia, considerando-se que a união trouxe tantos bens.
Em tudo isso, o papel da Alemanha não é o do instigador, mas sim do motor, do fornecedor de ideias, o papel daquele que está sempre recordando a advertência de Claudel em 1945. Trata-se de, no contexto da nova ordem mundial que se esboça, fazer da Europa um laboratório experimental que possa ser percebido como justo por todos.
Em uma palavra: a nova Alemanha não representa mais poder, e sim mais responsabilidade. Responsabilidade por um mundo da igualdade e da equivalência, mas não da dominação; num mundo em que todos têm consciência de que um povo não poderá estar permanentemente bem, se outros estiverem permanentemente mal.
Esse é o resultado da interdependência global, que liga os povos do mundo em algo que vai além de uma comunidade de povos: eles são uma comunidade de destinos e da sobrevivência.
* O ex-ministro do Exterior da Alemanha Hans-Dietrich Genscher morreu no dia 31 de março de 2016, aos 89 anos. Ele comandou a diplomacia alemã por quase duas décadas, ajudou a moldar a Alemanha do pós-Guerra e ficou conhecido como o "arquiteto da Reunificação".