Os Estados Unidos estão chocados. Até uns dias atrás, ninguém aqui – fora quem fosse profissionalmente afetado – se interessava pelo Brexit. Nos Estados Unidos, há poucas pessoas que se dão ao trabalho de entender como a União Europeia (UE) funciona. O fato de o Reino Unido não usar o euro e ainda assim ser membro da UE não torna mais fácil, para os americanos, entender a UE.
Mas esse distanciamento desinteressado acabou na manhã desta sexta-feira. E o motivo é bem americano. Esse despertar tem um nome bem concreto, principalmente para os liberais americanos: Donald Trump. Mais uma vez, o candidato republicano conseguiu tirar o máximo de proveito de uma situação.
Espertamente, ele planejou uma visita ao seu campo de golfe na Escócia para a manhã seguinte ao referendo. Depois de as últimas semanas não terem sido muito boas para o ricaço de Nova York, e de a crítica dentro do partido ter se tornado ainda maior, o Brexit veio como um presente dos céus.
E é verdade: os argumentos que foram usados, de forma bem-sucedida, para promover a saída do Reino Unido da UE são os mesmos repetidos toda hora por Trump: a culpa pelos problemas econômicos é dos imigrantes, temos de nos ocupar mais dos nossos problemas e gastar menos tempo e dinheiro em relações e uniões internacionais.
Para o lado democrata, o sucesso dos eurocéticos britânicos é, assim, duas vezes mais amargo. Por que aquilo que funciona no país materno dos Estados Unidos não funcionaria também nos Estados Unidos? Depois do Brexit, um presidente chamado Donald Trump se tornou mais provável.
Além disso, Trump pôde lucrar duas vezes com o apoio claro do atual presidente à permanência do Reino Unido na UE: não só Obama evidentemente não tem nenhuma influência sobre as pessoas de outros países, argumenta Trump, como a viagem dele a Londres só prejudicou os pró-europeus. E como saber se isso é verdade ou não?
Na sua visita, há algumas semanas, Obama apoiou claramente a permanência na UE, usando argumentos econômicos e sobretudo de estratégia militar. O Reino Unido continua sendo o maior e mais confiável parceiro militar dos Estados Unidos. O Brexit coloca também essa aliança em questão.
Os britânicos deram munição de sobra para Trump. E a equipe de Hillary Clinton deve estar se perguntando as mesmas coisas que a equipe de Angela Merkel. Como, num mundo de grandes injustiças e incertezas, é possível barrar o avanço perigoso dos populistas?
Dizer "nós estamos no caminho certo e vamos conseguir" não funciona mais como modelo de promessa. Muitas pessoas não se sentem levadas a sério nas suas preocupações e necessidades. E os britânicos mostraram um caminho para elas se defenderem. Nos Estados Unidos, essa sensação de poder urgente basta para muitas pessoas.