Não foi um discurso improvisado ou um comentário à queima-roupa: não, na declaração cuidadosamente gravada em vídeo, divulgada nesta terça-feira (15/09), o presidente Jair Bolsonaro pretendeu deixar bem claro o que quer: ele ameaça com o cartão vermelho qualquer um em seu governo que sequer mencione o planejado programa para unificação dos benefícios sociais: "Até 2022, no meu governo, está proibida a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final."
À primeira vista, essa desajeitada ação parece surpreendente: pois foi justamente com os benefícios socias durante a pandemia, desde março, que o presidente conseguiu ganhar popularidade tanto entre a maioria pobre da população quanto no Nordeste.
No momento, a aprovação de Bolsonaro é a mais alta de seus 19 meses de mandato. O Renda Brasil deveria substituir o Bolsa Família, dando assistência aos pobres a partir do início de 2021, quando terminam as ajudas sociais para enfrentar a pandemia de covid-19.
Mas isso agora é coisa do passado. Em vez disso, o Bolsa Família será ampliado para atender a 15 milhões de famílias no próximo ano. O Renda Brasil se dirigiria a cerca de 21 milhões de famílias.
A súbita mudança de curso se explica pelas dificuldades políticas que o financiamento do programa acarretaria. Os gastos orçamentários são limitados pelo chamado teto de gastos, e se o presidente quiser dedicar mais verbas aos pobres, terá que cortar em outra parte.
Então o ministro da Economia, Paulo Guedes, deu a gloriosa sugestão de que as aposentadorias e o salário mínimo não sejam reajustados à inflação. Assim se economizariam os 20 bilhões de reais necessários ao Renda Brasil. Mas Bolsonaro explicou que não vai "tirar dos pobres para dar aos paupérrimos".
Nisso ele tem razão: 50 milhões de brasileiros seriam atingidos pelas medidas de contenção. E, com sua reforma da Previdência, ele já perdeu as simpatias dos aposentados. Com tais transferências de verbas, a popularidade dele entre os pobres teria sofrido duramente.
Ao mesmo tempo, o chefe de Estado brasileiro não se arrisca a impor cortes aos privilegiados do país. Ele simplesmente não quer pagar o preço político das reformas. E se decidiu... a não decidir nada. Ele espera que baste fazer de conta que não vê a crise, até o dia das eleições.
E Paulo Guedes? Atualmente, só está atrapalhando a campanha de reeleição permanente do presidente. Ele não se cansa de intervir com sugestões socialmente insensíveis, briga o tempo todo com o Congresso e não propõe pacotes de reformas convincentes.
O "superministro", o "Posto Ipiranga" se transformou em mero assessor, um prestador de serviços cuja tarefa é fazer o que o presidente manda, nada mais. O cartão vermelho a que Bolsonaro aludiu no vídeo era para Guedes.
Mais uma vez, contudo, o ministro da Economia não entendeu os sinais dos tempos.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.