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Onde há risco de caos na América do Sul

Thofern Uta
Uta Thofern
16 de dezembro de 2019

Países como Chile e Bolívia tiveram uma primavera quente: não chegou a ser uma Primavera Árabe, mas os efeitos podem ser parecidos. A democracia e o Estado de direito perderam reputação, opina Uta Thofern.

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Pessoa com os pés no ar atingida por forte jato de água
Manifestante atingido por canhão de água durante protesto no ChileFoto: picture-alliance/dpa/F. Llano

Equador, Chile, Bolívia, mais recentemente a Colômbia: as imagens transmitidas destes países ao mundo foram semelhantes. Protestos pacíficos que se transformaram em vandalismo e violência, brutalmente combatidos pelas forças de segurança. Protestos cujas consequências foram de longo alcance: a renúncia do chefe de Estado na Bolívia, a anulação de regulamentos controversos ou planos de reforma no Equador, bem como no Chile e na Colômbia. Os protestos mudaram esses países para sempre.

Essas foram as semelhanças óbvias. A situação política e econômica antes das manifestações nos quatro países era diversa, mas ainda assim há causas comuns para os protestos: a cegueira das elites diante de injustiças óbvias, a arrogância do poder e a falta de um modelo econômico que estabeleça um equilíbrio entre competitividade, lucro e equilíbrio social. E há um novo problema comum: um consenso sobre novas vias parece tão difícil no Chile quanto na Colômbia. A Bolívia está politicamente mais dividida do que antes, e a atual calma no Equador engana.

Em todos esses países – diferentemente da Primavera Árabe – os protestos em massa não foram contra ditadores, mas contra governos eleitos democraticamente. Também a Bolívia, onde Evo Morales se apegava cada vez mais ao poder, ainda estava longe da ditadura. No entanto os bolivianos foram às ruas para proteger sua democracia, pelo menos inicialmente. A renúncia de Morales, no entanto, levou a protestos de seus seguidores, ambos os lados se radicalizaram e o governo interino não faz nada contra. Em vez disso, a presidente interina, Jeanina Añez, pratica gestos como romper laços diplomáticos com a Venezuela chavista e retomá-los com Israel, em políticas simbólicas que poderiam ter sido encomendadas pelos Estados Unidos.

Para os grupos indígenas, que se voltaram contra o antecessor Morales, a Bíblia que ela ostentou ao assumir o cargo também foi um sinal de rejeição da cultura deles. A antiga oposição, que deveria ter mais chances em novas eleições, está cada vez mais fragmentada, as forças moderadas estão perdendo popularidade. A polarização está crescendo.

Também no Chile e na Colômbia há evidências de uma divisão social cada vez maior, em vez de uma aproximação entre os muitos grupos de manifestantes e os governos. O fato de os presidentes Sebastián Piñera e Iván Duque, depois da teimosia inicial, terem respondido a muitas das demandas dos manifestantes e estarem dispostos a conversar não surte mais efeito nas ruas.

Depois dos excessos das forças de segurança mesmo contra protestos pacíficos, a confiança no Estado parece ter se perdido. Ao mesmo tempo manifestantes violentos usam os novos protestos para saques e vandalismo, o que alimenta ainda mais a espiral da violência e a sensação de insegurança e perda de controle entre a população passiva.

Nos dois países, o governo e o movimento de protesto parecem viver em diferentes planetas e falar idiomas diferentes. Na Colômbia o conflito armado com os guerrilheiros encobre todos os outros problemas sociais há décadas. No Chile a superação bem-sucedida da ditadura e os dados econômicos positivos camuflam a atual divisão social. A raiva que agora irrompeu já não pode ser contida.

O que os políticos chamam de negociações ou cumprimento da lei, na rua soa como desculpas. No Chile, mesmo a perspectiva de um referendo sobre a Constituição não foi capaz de apaziguar a ira; nem existe uma pessoa de contato do governo com o movimento de protesto. Na Colômbia, negociações sérias já fracassam porque o comitê de greve reivindica representação única e não quer participar de conversas com outros grupos da sociedade.

Além disso, os cidadãos nas ruas de alguma forma querem tudo, e já: uma educação melhor e mais acessível, menos violência contra as mulheres, aposentadorias mais altas, menos racismo, melhor atendimento de saúde, mais proteção para ativistas ambientais e sociais... A lista é longa, o Estado não é diretamente responsável por tudo, e essas reformas não podem realmente ser implementadas da noite para o dia. Nem mesmo numa ditadura.

Até agora os políticos não conseguiram encontrar uma linguagem para falar das reivindicações. Mas também entre os que protestam parece baixa a disposição ao consenso. O pensamento sóbrio é impedido pela sensação de "agora é a nossa vez" e a intoxicação pelo sentimento de poder nas ruas. E, é claro, permanece a desconfiança em um Estado que usou violência. Mesmo assim, a situação não pode continuar sem negociações e sem o reconhecimento de que ninguém tem o direito exclusivo de representação: sejam políticos eleitos ou cidadãos irados, eles só podem representar uma parte da sociedade.

Democracia leva tempo. Democracia é a árdua busca por consenso, pelo equilíbrio entre interesses diferentes. Ao que tudo indica, os manifestantes enfurecidos não querem mais isso, eles esperaram demais, e por demasiadas vezes a democracia os decepcionou. Por mais compreensível que seja, é difícil imaginar uma boa alternativa. Se todas as regras forem anuladas, inicialmente vai prevalecer o caos, geralmente seguido pela lei do mais forte. Isso não é justiça.

Uta Thofern é chefe do departamento América Latina da DW.

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Thofern Uta
Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.