A comunidade mundial tomou impulso durante três anos e agora de fato deu o salto. Contudo, quem esperava um lance corajoso, decepcionou-se: foi, antes, um pulinho – embora na direção certa.
Na terceira sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas dedicada ao problema das drogas, ficou evidenciado um cisma crescente na comunidade internacional: de um lado, cada vez mais nações querem dar fim à fútil "guerra contra as drogas", sobretudo na América Latina; do outro, estão Estados como a China, Irã e Arábia Saudita, que querem até mesmo manter a pena capital para delitos relacionados ao narcotráfico.
O documento final do encontro, elaborado em duras negociações entre esses dois polos, representa um avanço efetivo em alguns tópicos importantes. Mas ele não traz a tão urgentemente necessária reviravolta na forma de lidar com narcóticos: política de saúde em vez de direito penal, regulamentar em vez de proibir.
No lado positivo, fica reforçado o papel dos direitos humanos na abordagem da narcodependência. Substâncias substitutas para os casos mais sérios e um programa de troca de agulhas têm lugar de destaque no documento da ONU – embora, a pedido da Rússia, a expressão "minoração de danos" não conste.
Também deve ser melhorado o acesso a analgésicos para doentes graves. É inadmissível que milhões de pacientes de câncer vivam em agonia, especialmente nos países em desenvolvimento, não dispondo de nada mais forte do que paracetamol para aliviar suas dores.
Contudo, um mundo "livre de drogas" segue sendo a meta declarada do documento final – a mesma formulada em 1998, na última Assembleia Geral da ONU para drogas. Nestes 18 anos, o mundo não se aproximou nem um pouco dessa meta. Pelo contrário: há mais entorpecentes disponíveis do que nunca, a preços mais baixos e em mais locais, e o crime organizado se banqueteia com lucros bilionários.
Ninguém pode dizer que não se tentou de tudo. No México e na Colômbia empregaram-se até mesmo as forças militares contra os cartéis do narcotráfico. Lá, a "guerra contra as drogas" não foi uma metáfora, mas sim sangrenta realidade, com muitos milhares de mortos. Ainda assim, os ganhos dos cartéis são estratosféricos – assim como o número de pessoas atrás das grades por delitos envolvendo drogas.
Os custos humanos e sociais da guerra às drogas, sem que haja êxito, são óbvios. Tão óbvios que o discurso começa a mudar de direção: não são apenas os "bichos-grilos" de cabelo rastafári ou os filhos já meio murchos do flower power que reivindicam uma nova atitude.
Diante da sessão especial da ONU, mais de mil personalidades de destaque de todo o mundo exigiram uma alternativa à política para drogas repressiva. Entre elas, gente do porte de ex-presidentes do Brasil, México, Colômbia, Chile, Nigéria, Cabo Verde, Suíça, Portugal e Polônia, além do ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan.
Uma nova retórica começa a se fazer sentir, mesmo sem ainda estar sedimentada na declaração final. Até mesmo Werner Sipp, presidente do Conselho Internacional de Controle de Narcóticos da ONU (INCB) frisou, na abertura da conferência, que as convenções para narcóticos das Nações Unidas não exigem uma guerra às drogas.
A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, conclamou a uma abordagem do ponto de vista da saúde, baseada em dados científicos. O presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, fez um apelo ardente pela descriminalização dos consumidores. Sob aplausos, a representante da Jamaica reivindicou para que seja reconhecido o uso religioso da cannabis.
Por volta de 25 países testam formas diversas de descriminalização da posse de entorpecentes. O Uruguai foi o primeiro a criar um mercado legal para a maconha. Os primeiros resultados são mais do que encorajadores: em nenhum caso se concretizaram as sinistras previsões dos adeptos da proibição. Cabe continuar nessa direção.
As convenções da ONU sobre drogas permitem certa flexibilidade de interpretação. O importante é abandonar o dogma da política repressiva. Atribui-se a Albert Einstein a seguinte definição de insanidade: "fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes". Pois é justo isso que a comunidade mundial vem fazendo há anos com sua política de proibição das drogas.