Vladimir Putin está em silêncio. Ele não tem pressa em parabenizar Joe Biden por sua vitória na eleição presidencial dos Estados Unidos. Seu secretário de imprensa, Dmitry Peskov, explicou que a questão é a recontagem de votos em andamento exigida pelo presidente Donald Trump. Mas claro que não é isso.
Putin – um obcecado por nunca parecer fraco – quer mostrar a Biden que, apesar das sanções ocidentais e do isolamento internacional, não tem medo de enfrentar o novo "líder do mundo livre". Biden será o quinto presidente de Putin nos Estados Unidos, começando por Bill Clinton.
Putin tem sentimentos contraditórios em relação ao ex-vice-presidente. Por um lado, Biden foi um dos membros da administração de Barack Obama que não escondeu sua simpatia por Dimitri Medvedev, substituto de Putin em 2008-2012, e esperava que ele concorresse a um segundo mandato presidencial. Putin não esquece – ou não perdoa – tais "desfeitas".
Por outro lado, ele desprezou abertamente o governo Obama-Biden, considerando-o fraco e indeciso. A administração Obama resistiu e hesitou antes da aprovação pelo Congresso americano da Lei Magnitsky, destinada a punir violadores dos direitos humanos. O governo Obama ficou apenas olhando quando Bashar al-Assad usou armas químicas contra civis sírios, desrespeitando assim as próprias "linhas vermelhas" de Obama e, em seguida, assistiu impotente enquanto a Rússia enviava sua força aérea e salvava o ditador sírio.
Ainda mais importante para Putin foi a reação inicialmente contida de Obama à anexação da Crimeia e, finalmente, sua firme recusa em fornecer armas letais ao Exército ucraniano. Foi a administração Trump que reverteu essa política.
Portanto, agora, Putin está esperando para ver se o governo Biden-Harris vai se tornar um "Obama 3.0" ou se seguirá uma linha mais dura em relação a Moscou. Provavelmente não demorará muito para ele saber mais.
A equipe de Biden em breve terá que entrar em contato direto com a liderança russa para iniciar as negociações sobre um novo tratado de armas ofensivas estratégicas para substituir o acordo Start-3 (assinado em 2011 por Obama e Medvedev). Moscou e Washington agora discutem estendê-lo por um ano.
O governo Trump quer que a China, que está expandindo de forma séria seu arsenal nuclear, participe do novo acordo nuclear. Insiste em que Putin convença seu "parceiro estratégico" Xi Jinping a sentar à mesa de negociações. Biden continuará pressionando por isso ou abandonará a questão da participação chinesa? Isso indicará imediatamente ao Kremlin – e ao mundo – se o novo governo manterá a linha dura dos republicanos em relação à China, um ponto importante para Putin, que está cada vez mais enredado com o regime em Pequim no cenário mundial.
Há três outros tópicos sobre os quais o Kremlin aguardará sinais da Casa Branca de Biden: Belarus, o envenenamento de Alexei Navalny e a Europa, especialmente a Alemanha. O novo governo aumentará a pressão sobre o regime de Lukashenko? Do ponto de vista de Putin, isso mostrará se o novo presidente está pronto para resistir ao desejo de Moscou de controlar o espaço pós-soviético, incluindo a Ucrânia.
Biden vai condenar a tentativa de assassinato do líder da oposição russa da mesma forma que a UE o fez? Putin acredita que, durante os protestos de Moscou em 2011 e 2012, o governo Obama apoiou os manifestantes na esperança de impedir seu retorno ao Kremlin. Dada a obsessão do Kremlin com a ameaça de "mudança de regime" patrocinada pelos Estados Unidos, a atitude de Biden e sua equipe em relação a Navalny é um tópico de grande importância para Putin.
E assim é a atitude da administração democrata em relação ao projeto Nord Stream 2. O governo Trump, com apoio do Congresso, está pressionando a chanceler federal Angela Merkel a abandonar o gasoduto, que está quase concluído. O Kremlin vê isso como uma ferramenta de pressão econômica sobre a Ucrânia, que roubará Kiev de uma parte significativa de suas receitas de trânsito de gás russo. Berlim está resistindo à pressão de Trump. Ouvi de vários políticos europeus que pode ser mais fácil para Merkel chegar a um acordo com Biden do que com o atual presidente dos EUA, que é altamente impopular na Europa. Nesse caso, será um golpe sério para Putin. Mas aqui a questão principal é se Biden vai querer falar sobre o gasoduto ou vai deixar o assunto de lado.
Putin não terá que esperar muito. Todas essas questões serão respondidas logo após o dia da posse – desde que a equipe de Biden não se afogue na política interna e nas lutas ideológicas dentro do Partido Democrata. E essas duas ocupações podem ser exatamente o que mais vêm a calhar para Putin.
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* Konstantin Eggert é colunista da DW. O texto acima reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.