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Referendo no Egito expressa desejo de um líder forte

Rainer Sollich (av)17 de janeiro de 2014

General Abdel Fattah Al-Sisi catalisa anseio da população por estabilidade e progresso, mesmo que às custas da liberdade. Futuro depende de capacidade do militar de promover consenso, opina Rainer Sollich.

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O Egito provavelmente é, hoje, o único país do mundo em que caixas de bombom, barras de chocolate e até mesmo roupa íntima feminina que portam o retrato do ministro da Defesa em exercício são campeões de venda.

Deutsche Welle Rainer Sollich Arabische Redaktion
Rainer Sollich, da DW ArábiaFoto: DW/P. Henriksen

Dá para rir do curioso culto à personalidade em torno do general Abdel Fattah Al-Sisi, mas ele tem um histórico sério. Após três anos de caos, inúmeros momentos de violência com milhares de mortos, governo interino da fundamentalista Irmandade Muçulmana e sua deposição pelas Forças Armadas, grande parte dos egípcios deseja estabilidade.

O povo quer que a tranquilidade retorne ao país, quer uma perspectiva de desenvolvimento. É preciso olhar os fatos de frente: o desejo de participação, de verdadeira democracia, não está, no momento, em primeiro lugar, diante do caos político e da continuada estagnação econômica.

O decidido "sim" no referendo sobre a nova Constituição é uma expressão desse desejo, voltado diretamente para Sisi – nos bastidores, ele já é o homem forte de fato no Cairo. Agora ele tem boas chances de galgar o posto de presidente nas próximas eleições.

No entanto, o comparecimento às urnas esteve abaixo das expectativas. Isso denota que, ao lado de tantos "fãs", o general também tem numerosos inimigos. Não só os membros da Irmandade Muçulmana, hoje perseguidos indistintamente como terroristas; mas também muitos egípcios de mentalidade liberal e secular, submetidos às piores formas de repressão. O Egito permanece uma nação dividida.

É certo que a nova Constituição fortalece a posição da mulher na sociedade e oferece à minoria cristã uma esperança de que seus interesses venham a ser mais bem considerados: ambos esses pontos são importantes e, sem dúvida, positivos. Ao mesmo tempo, porém, o documento também reserva um posto forte para as Forças Armadas: elas seguem sendo o "Estado dentro do Estado", ao largo de qualquer instância de controle político, ainda dotadas do poder de submeter civis a cortes militares. Há razão para temer que as violações dos direitos humanos sigam fazendo parte do dia a dia no Egito.

A verdadeira mensagem desse referendo popular fica sendo: uma maioria apertada dos egípcios parece disposta a confiar o planejamento do futuro nacional às mãos dos militares, nos próximos anos, mesmo que em detrimento dos direitos à liberdade. O restante da nação se sente perdedor.

Tal não significa que a rota para a democracia esteja interditada para sempre. Mas ela será mais longa e mais acidentada. O Egito parece ter chegado novamente aonde estava, na era do ex-presidente Hosni Mubarak. Em face da pronunciada polarização ideológica da população, contudo, é mera ilusão esperar que um regime rígido vá trazer mais estabilidade. A qualquer momento a criminalização dos dissidentes pode eclodir em novos excessos de violência.

Uma característica dos homens fortes é a capacidade de intervir com dureza. Mas quem quer pacificar uma sociedade extremamente polarizada e conduzi-la a um futuro melhor precisa também ser capaz de promover o consenso e construir pontes para o entendimento.