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Opinião: Trump dá fim às ilusões do Japão

Martin Fritz, Journalist in Tokio
Martin Fritz
18 de novembro de 2016

O governo conservador japonês pretendia conter as pretensões hegemônicas da China aprofundando a aliança com os EUA. O presidente eleito frustra definitivamente tais expectativas, opina o jornalista Martin Fritz.

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Martin Fritz é jornalista da DW
Martin Fritz é jornalista da DWFoto: Privat

Os japoneses gostam de planejar e preparar até os menores detalhes, deixando tão pouco quanto possível ao sabor do acaso. Nesse sentido, ter Donald Trump como presidente dos Estados Unidos é um dos piores desastres concebíveis para a política externa e de segurança do Japão. Pois o establishment em Tóquio não estava minimamente preparado para esse resultado eleitoral.

Durante sua campanha, Trump colocou em questão diversos aspectos das relações nipo-americanas tidos como certos e indiscutíveis, desde as tropas dos EUA ao escudo nuclear. Mas Tóquio se calou, contando com a vitória de Hillary Clinton.

Agora, para se autotranquilizar, os burocratas dos ministérios no bairro governamental de Kasumigaseki tentam se convencer de que as tiradas antijaponesas do republicano foram mera retórica: as questões da política prática o compelirão a voltar à realidade, querem crer os consultores do governo.

É possível que essa avaliação revele ser falha. O establishment  do Japão não deve esquecer que há décadas Trump critica duramente o país como aproveitador da política externa americana e do livre acesso ao grande mercado dos EUA.

De fato, perfazendo apenas 1% do PIB nacional, no contexto internacional o orçamento de defesa japonês é pequeno. De fato, a Toyota continua exportando do Japão para a América do Norte seus carros de luxo da marca Lexus. Ou seja, o ponto de vista de Trump não é totalmente equivocado.

O presidente Barack Obama definiu o Pacífico como um dos pontos-chave de sua política externa. Atendendo ao desejo de Tóquio, prometeu que a aliança militar também valeria para um pequeno grupo insular japonês reivindicado pela China. Confiando nessa promessa, o Japão protegeu as ilhas desabitadas ativamente contra qualquer aproximação chinesa, o que acarretou diversos momentos de risco de escalada militar.

Trump, no entanto, não vai mandar nenhum soldado americano morrer defendendo um punhado de rochedos japoneses no Mar da China Oriental. Como presidente, ele dificilmente repetirá a promessa de Obama. E também deverá pôr em pratos limpos o comércio com a China, o que prejudicará os interesses de diversas empresas japonesas, que empregam a República Popular como extensão de suas oficinas.

Desde o início era presunçosa estratégia do primeiro-ministro Shinzo Abe, de abafar as pretensões econômicas dos chineses com a ajuda dos EUA. A economia e o poder da China continuarão crescendo quando – até mesmo por motivos demográficos – o Japão tiver passado de seu zênite. O futuro está na coexistência de Japão e China, não na concorrência.

Tóquio precisa abandonar a política de confrontação no tocante a Pequim, e esse passo será quase impossível evitar numa futura administração Trump. Para isso, contudo, o conservador Abe é o homem errado. Assim como os burocratas de Kasumigaseki, ele se ilude quanto ao presidente eleito e fala de confiança, a qual, para os japoneses, é a moeda mais importante nas relações comerciais – mas não para os americanos.

O concorrente e potencial sucessor de Abe, Shigeru Ishiba, formulou bem a situação: Trump coloca em questão o próprio país Japão. O governo em Tóquio precisa reconhecer os sinais dos tempos e se libertar política e militarmente – também dos Estados Unidos.