As imagens têm um hipnotismo trágico. Sobre uma extensão dedicada ao cultivo agrícola, perto do Aeroporto Internacional José Martí de Havana, se vê espalhados os restos do que, minutos antes, era um avião com 110 pessoas que viajavam da capital cubana até a província oriental de Holguín. Só três passageiros foram resgatados, e Cuba enfrenta seu pior acidente aéreo dos últimos anos.
A queda do Boeing 737-200 chega num péssimo momento para a ilha. O degelo diplomático com Washington está há meses freado, e a queda de 7% no número de turistas que chegaram ao país no primeiro trimestre do ano complica a situação econômica. Um desastre dessa magnitude pode afetar seriamente um setor que permite ao governo levar divisas aos minguados cofres nacionais.
A grave situação econômica pela qual a aliada Venezuela passa também agrava esse panorama. É de se esperar também que, nas próximas semanas , as autoridades cubanas devem abrir seu território a uma investigação internacional, uma vez que, entre as vítimas, há cidadãos mexicanos e argentinos. O secretismo que tradicionalmente cerca esse tipo de investigação no país será colocado à prova ante as exigências de informação que chegarão de fora.
Para tornar ainda mais complexo o momento, os meios oficiais anunciaram que Raúl Castro, que se mantém no comando do Partido Comunista, foi operado e que seu sucessor, o engenheiro Miguel Díaz-Canel, enfrenta o momento mais delicado de seu mandato. Na sexta-feira, ele foi ao local do acidente, parecia alarmado, talvez calculando os custos políticos que o acidente terá para sua gestão.
Mas o golpe fundamental vai no coração da população e, em especial, dos familiares dos cerca de cem cubanos que iam a bordo desse fatídico voo que caiu às 12h08 de 18 de maio. Para eles, fica a grande dor da perda, os rigores da identificação dos corpos e a intensa campanha política com que o governo cercará cada passo dado pelas instituições médicas e policiais em busca de respostas.
Em suas mentes, vão aflorar vez ou outra os últimos momentos junto a seus entes queridos, a sequência de casualidades que os fizeram subir no avião alugado pela empresa aérea estatal junto à empresa mexicana Global Air. Surgirão histórias dos que, no último minuto, não conseguiram obter um bilhete para viajar e daqueles outros que, pelo contrário, não iam entrar naquele voo, mas, por azar, acabaram se somando às vítimas.
A isso se somarão também as dúvidas e questionamentos, as exigências por explicações claras em um país onde as autoridades têm décadas de treinamento em dosar cada informação. Mas nem sequer essa habilidade para o silêncio evitará que as pessoas relacionem as notícias dos últimos meses e sintam que a tragédia de sexta-feira tem toda a pinta de que poderia ter sido evitada.
A empresa aérea estatal, Cubana de Aviación, há anos está imersa em profunda crise, com constantes cancelamentos de voo devido ao mau estado de sua frota, constituída sobretudo por aviões russos com muitos anos de uso. A deterioração de suas aeronaves forçou a principal empresa aérea de Cuba a alugar continuamente aviões de outras companhias, levando seu prestígio a níveis baixos entre a população nacional.
Os próximos dias são cruciais. A gestão que as autoridades e a empresa darão às informações dependerá em boa parte da reação das famílias. A transparência é a mais recomendável das atitudes, mas falta comprovar se o governo cubano vai optar por ela.
A cubana Yoani Sánchez é jornalista e apresenta o programa "La voz de tus derechos" no canal de TV da DW em espanhol.
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