São de provocar fúria as reações da política da Europa ao incêndio do acampamento de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos. O ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, o comissário da União Europeia para a Promoção do Modo de Vida Europeu, Margaritis Schinas, o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, e outros ficam tagarelando sobre soluções europeias para a problemática de asilo, sabendo perfeitamente que há cinco anos elas não existem, e não vão existir.
A chanceler federal Angela Merkel observou discretamente em Berlim que no momento não há nenhuma política europeia para refugiados. Parafraseando a famosa afirmação dela de 2015, diante do enorme afluxo de migrantes: não estamos conseguindo nada.
Também hoje não se trata de imaginários esquemas de solidariedade europeia, mas sim de ajuda concreta para mais de 12 mil seres humanos. Até onde se sabe, há quatro dias, desde a destruição do acampamento pelo fogo, eles dormem no chão duro, sem água, sem comida, sem teto. Nem falar de proteção contra a covid-19. A coisa toda é um escândalo.
As autoridades gregas, ou fazem de conta que não veem, ou são incapazes de prestar assistência de catástrofes. E o resto da Europa? Quando uma medonha explosão devastou o bairro portuário de Beirute, capital do Líbano, dentro de poucos dias apresentavam-se ao local a Defesa Civil alemã e navios de guerra franceses carregados de gêneros de primeira necessidade.
Onde estão eles, agora? Não é possível providenciar assistência para uma ilha grega? E ainda mais em se tratando de uma catástrofe anunciada, sobre a qual as organizações humanitárias advertem há anos, já que o acampamento de Moria era cronicamente superlotado e mal organizado?
É simplesmente chocante a única resposta do comissário da UE responsável ser que se deve construir "o mais rápido possível" um novo acampamento com barracas. Ei, tudo bem aí? Vai-se esperar que os primeiros morram de sede ou ataquem as aldeias da ilha, por puro desespero?
O ministro alemão do Desenvolvimento, Gerd Müller, tem razão ao dizer que em três dias é perfeitamente possível evacuar milhares de refugiados dessa catastrófica situação. Tecnicamente não há problema, mas falta a vontade política. Tão simples e tão vergonhosamente revoltante.
A Alemanha e a França se declararam dispostas a acolher 150 crianças, cada uma; oito outros Estados pretendem cuidar de um total de outras 100. Diante da miséria em Lesbos, não passa de uma gota no deserto: bom para os 400 felizardos, mas um atestado de pobreza para a UE.
Para o governo em Berlim, trata-se não só de um atestado de pobreza, mas até mesmo de uma amostra de desumanidade, pois pelo menos dez grandes cidades alemãs terem voluntariamente declarado sua disposição de abrigar vítimas da catástrofe de Moria, imediatamente.
A inação da liderança europeia só permite concluir que as imagens de miséria, desespero e fracasso em Lesbos sejam intencionais: elas visam dissuadir os migrantes. Isso é cinismo descarado, que nada mais tem a ver com os tantas vezes evocados valores europeus. Em meados de 2018, a cúpula da UE decidiu oficialmente usar dissuasão como tática, na política de migração. Agora estamos vendo a implementação prática dessa política.
Quem se desqualificou inteiramente foi Alice Weidel, copresidente da oposição populista de direita no Parlamento alemão, ao exigir que não se acolha nenhuma das vítimas de Moria, porque entre elas podem estar eventuais incendiários. A líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) devia saber que, mesmo nos incêndios provocados, os bombeiros primeiro apagam o fogo e salvam vidas. Só depois a polícia investiga os possíveis perpetradores. É o que se faria se o alvo fosse a casa da desalmada Sra. Weidel: em Moria não pode ser diferente.