"Orçamento deficitário é aberração"
2 de setembro de 2015Com a previsão de um rombo de 30,5 bilhões de reais no Orçamento de 2016, a presidente Dilma Rousseff fez um gesto inédito e pediu que o Congresso ajude a fechar as contas do ano que vem. É a primeira vez que o governo entrega um projeto de orçamento com mais gastos do que receitas.
"Estamos evidenciando que tem um déficit. Estamos sendo transparentes e mostrando, claramente, que tem um problema", afirmou a presidente nesta quarta-feira (02/09), em entrevista coletiva no Planalto.
Inconformada, a oposição pediu que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), devolva o projeto ao Executivo, mas ele descartou a ideia. Segundo Dilma, o objetivo é construir uma alternativa junto com o Legislativo. "Não transferiremos a responsabilidade para ninguém, porque ela sempre será nossa", declarou a presidente.
Na opinião do presidente da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o déficit orçamentário para 2016 evidencia a irresponsabilidade fiscal do governo. "A mágica foi descoberta. O governo não pode mais pedalar", afirma em entrevista à DW Brasil.
Apesar de considerar o envio da proposta deficitária ao Congresso como uma "aberração", Branco acredita que aspecto positivo pode ser o estímulo ao debate sobre a questão.
Para cortar gastos, é preciso uma ampla reforma administrativa, "em que não apenas se cortem ministérios, mas se ataquem os cargos, as funções de confiança, as gratificações, as empresas estatais e suas subsidiárias", disse em entrevista à DW Brasil.
Deutsche Welle: O corte das "despesas discricionárias", que incluem contas de luz, serviços de limpeza, passagens, e não são obrigatórias, é um caminho para reduzir o rombo no Orçamento de 2016?
Gil Castelo Branco: A solução para um ajuste fiscal de médio a longo prazo passa necessariamente pelo corte das despesas obrigatórias, que representam mais de 90% do Orçamento. Não há como fazer esse corte em cima das despesas discricionárias [permitem flexibilidade quanto ao estabelecimento de seu montante]. Elas somaram cerca de 20 bilhões de reais no ano passado. Se houvesse um corte absurdo de 40% em todas essas despesas, se obteria apenas 8 bilhões de reais, o que está muito distante do valor do rombo do Orçamento. Mesmo que se cortem pela metade os ministérios, algo que acho necessário, ou que se cortem 2 mil cargos públicos, ainda assim, não haverá como equilibrar as contas do governo.
Diante da falta de apoio do Congresso, o que o governo ainda pode fazer?
O Congresso não será solidário. Já não foi no início do ano, quando o ministro [da Economia] Joaquim Levy tentou um ajuste fiscal mirando no corte de despesas obrigatórias, como abono salarial, seguro-desemprego e pensões por morte, que somaram cerca de 150 bilhões de reais em 2014. A popularidade da presidente é extremamente baixa. Ela já começou o novo mandato se confrontando com o PMDB e criou uma situação política difícil para viabilizar uma solução econômica. O Congresso não quer se abraçar com medidas impopulares. O corte de despesas obrigatórias afeta diretamente os direitos da população. Os parlamentares não querem isso neste momento, até porque há eleições municipais no ano que vem, e já se pensa em 2018.
Qual seria a melhor forma de cortar gastos?
É preciso discutir uma ampla reforma administrativa, em que não apenas se cortem ministérios, mas se ataquem os cargos, as funções de confiança, as gratificações, as empresas estatais e suas subsidiárias. É necessário debater sobre o tamanho das autarquias, fundações, agências reguladoras e privatização de algumas empresas estatais. Há muito tempo, não se discute no Brasil uma reforma administrativa ampla. A preocupação tem sido apenas fiscal. Se a receita é maior do que a despesa, tudo bem. Foi, talvez, justamente isso que nos levou a essa situação. Enquanto a época era de vacas gordas, a situação fiscal se equilibrava. Agora que a situação se tornou difícil, vemos que a despesa é extremamente volumosa. O governo não se planejou ao longo dos anos para se adequar aos momentos de dificuldade. A doença do paciente não foi anunciada e agora se adota uma medicação com profundos efeitos colaterais.
Qual medicação tem sido adotada pelo governo?
No curto prazo, tem sido a elevação da taxa de juros, a retração dos investimentos, que dificulta ainda mais a recuperação da economia, e o contingenciamento das despesas. Num primeiro momento, o governo se valia da chamada contabilidade criativa, usando dividendos das estatais. A segunda prática, e a pior de todas, é a contabilidade postergada, a "pedalada". A Contas Abertas apresentou a denúncia sobre as pedaladas ao Tribunal de Contas da União [TCU] no dia 17 de janeiro de 2014. Estranhamente, as consultorias, bancos e economistas que analisavam friamente o boletim do Banco Central não percebiam o que vinha sendo feito. O resultado estava sendo mascarado por uma crescente postergação das despesas, prejudicando repasses para estados e municípios. Quando a "pedalada" foi descoberta, o governo foi obrigado a parar de "pedalar" e a tratar o Orçamento de uma forma mais real. As mágicas foram descobertas.
E as "pedaladas fiscais" já ocorriam há muito tempo?
Segundo o TCU, esses atrasos em pagamentos vinham ocorrendo desde 2013. Na década de 1990, quando o Executivo deixava de pagar a folha de pagamento dentro do mês, também poderia se falar em "pedalada", mas nada comparado à proporção atual. Uma coisa é tentar adequar o pagamento ao fluxo de caixa, outra é, em ano eleitoral, como fez Dilma em 2014, chegar ao extremo de adiar um valor estúpido de obrigações e ainda obrigar bancos públicos a pagarem as despesas do governo. Não foi só um crime contra a lei de responsabilidade fiscal. Também deveria ser um crime eleitoral. As contas públicas foram forjadas para facilitar a reeleição da presidente. Situações semelhantes também ocorreram em governos estaduais, como Brasília e Rio Grande do Sul. A lei da responsabilidade fiscal tem sido rasgada pelas beiradas.
É a primeira vez que o governo encaminha um Orçamento deficitário ao Congresso. Como você avalia esse gesto?
Eu acho que talvez a maior vantagem desse absurdo seja ensejar uma discussão. Aliás, muito mais profunda do que aquela em que o governo fechava o Orçamento na marra e o Congresso aprovava fingindo que não estava vendo o desequilíbrio das contas. Escancarar esse problema e refletir sobre ele pode ser o fato positivo dessa aberração.