Crise de alimentos
15 de abril de 2008DW-WORLD: As Nações Unidas solicitaram há algumas semanas a ajuda da comunidade internacional para seu programa mundial de alimentos. Agora são o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional que conclamam a enfrentar com determinação a crise alimentar. Como você vê a atual situação?
Simone Pott: A situação é dramática. Os principais atingidos pelo aumento de preços são os mais pobres entre os pobres. As pessoas que de qualquer modo já dispõem de muito pouco dinheiro e de muito pouco para comer são as que têm de pagar a conta da alta dos gêneros alimentícios básicos.
Que conseqüências podem-se esperar se não houver reações políticas imediatas?
Muitos governos nos países em desenvolvimento estão sob pressão. Cada vez mais pessoas irão às ruas para chamar a atenção para seus problemas. Somando-se a isso catástrofes climáticas, como inundações ou secas, o problema da fome no mundo vai se agravar e voltaremos a ter novamente em grande escala mortos por desnutrição.
Há quanto tempo você acompanha este problema?
Soa um pouco absurdo, mas estamos advertindo para esta situação há vários anos. Apelamos já há cerca de dez anos para que seja canalizado mais dinheiro para as áreas rurais e que a agricultura destes países receba apoio ativo e incentivo financeiro.
Os biocombustíveis tornaram-se alvo de críticas. Eles são realmente o problema?
Os biocombustíveis são apenas uma parte do problema. Há três razões para a atual crise de produtos alimentícios, e uma delas são realmente os biocombustíveis. O que também influiu foi a melhora das condições de vida nos países emergentes. Na China e na Índia há cada vez mais pessoas com dinheiro suficiente para comer carne, e para a produção da carne são necessárias quantidades cada vez maiores de cereais.
Para a produção de um quilo de carne de porco, por exemplo, são necessários três quilos de cereais e, para um quilo de carne bovina, são sete quilos de cereais. E a terceira razão reside no aumento do preço do petróleo, o que encarece o transporte, as máquinas, os fertilizantes... Tudo o que tem a ver com agricultura ficou mais caro.
Então os biocombustíveis tornaram-se bode expiatório?
Talvez não bode expiatório, mas é correto chamar a atenção que, se o Primeiro Mundo quer melhorar seu balanço ecológico, isso não pode implicar que o Terceiro Mundo passe fome. As conseqüências teriam de ter sido levadas em conta antes e talvez teria que se ter repensado a cota de bioetanol no combustível.
Há vários anos, críticos advertem para uma eventual concorrência entre a produção de alimentos e biocombustíveis. Por que isto não foi levado em consideração por ecologistas e políticos?
Creio que a dimensão da crise os surpreendeu. Não podemos esquecer que o aumento dos preços dos combustíveis durante muitos anos não foi previsível. Além disso, durante anos, ignorou-se que as condições de vida nos países emergentes estavam melhorando.
A União Européia deve então desistir de seus planos em relação aos biocombustíveis?
É preciso considerar que efeitos isto terá, e talvez seja necessário mudar a porcentagem de bioetanol no combustível. O que não pode ser é que o meio ambiente no Hemisfério Norte seja protegido à custa do Terceiro Mundo.
Qual o papel das mudanças climáticas?
As conseqüências das mudanças climáticas são sentidas em muitos países em desenvolvimento, sejam longos períodos de seca ou inundações incomuns vários anos seguidos. Isto faz com que sejam produzidos menos alimentos.
Também se aponta a especulação nos mercados agrícolas como causadora da crise. Ao que se deve esta especulação?
No mercado mundial, os cereais não são mais do que uma mercadoria como qualquer outra. Os negócios são feitos com a cotação de ações, e quando os preços sobem, como é o caso, os produtos agrícolas viram modo de ganhar dinheiro.
Isso acontece também com os biocombustíveis?
Naturalmente. Se a classe política emite sinais de que vai aumentar a demanda de biocombustíveis, os negócios com produtos agrícolas tornam-se atraentes.
O Banco Mundial pede à comunidade internacional que contribua com 316 milhões de euros para combater a crise. Doações resolverão o problema?
As doações ajudam numa situação de emergência em curto prazo. Em longo prazo, no entanto, é preciso canalizar meios para incentivar a agricultura nas zonas rurais.