"Os brasileiros têm um otimismo que a gente não tem aqui"
21 de dezembro de 2017"Morei no Rio de Janeiro de agosto de 2000 a julho de 2001. Eu já namorava a minha atual esposa, a Lara, havia seis anos – era um namoro à distância que começara em 1995, quando ela participou de um intercâmbio na Alemanha. Eu tinha terminado a escola e prestei serviço civil, que aqui na Alemanha era alternativo ao serviço militar obrigatório.
Mas, antes de fazer o curso profissionalizante de enfermeiro, quis passar um ano fora da Alemanha. É o chamado Auslandsjahr. Na minha geração isso já estava muito na moda. Nos anos 1990, as pessoas iam para os Estados Unidos, depois teve uma onda de gente indo para a América do Sul, hoje em dia acho que o pessoal vai para a Ásia. Eu fui obviamente por causa da Lara.
No Rio, fiz um curso de português durante seis meses e, de fevereiro a abril de 2001, fiz um estágio no INCA (Instituto Nacional de Câncer). Fiquei impressionado como as pessoas lidam com as adversidades do dia a dia – tinha paciente no qual o pessoal médico tinha que usar a mesma agulha o dia inteiro porque não tinha outra. Não é como aqui, onde você abre um armário e tem dezenas de agulhas à disposição e, se faltar material, é só pedir que em dez minutos você consegue mais. E as pessoas lá no Brasil ainda conseguiam manter a humanidade, mesmo com todas essas dificuldades.
Esse período no Brasil mudou a minha vida porque, primeiro, você precisa agradecer muito por tudo o que você tem aqui na Alemanha quando você vive mesmo num outro país e aprende como as coisas funcionam por lá.
Eu não vou falar que é um choque de culturas [risos], mas a primeira pergunta que fiz foi: 'Quando vem o ônibus?' Na Alemanha, ele vem às 08h53. Se você chega às 08h54, ele já saiu. No Brasil, você sai na rua e você vai ver um, em algum momento, mas não sabe a que horas.
Aprendi a encarar tudo de um jeito um pouco mais leve, sabe? O alemão é muito CDF, tudo tem que ser certinho, e quando você mora no Brasil você fica mais assim: 'Calma, vai ficar tudo bem'. Os brasileiros tem um otimismo que a gente não tem aqui. Isso foi uma coisa que aprendi lá. Você tem que curtir a vida, sabe?
Antes eu só conhecia a Alemanha. Na minha adolescência, tinha muita raiva do Estado alemão, do governo. Eu não gostava nada do sistema político, achava uma droga. Mas depois que você vive em outros países você vê que não é tudo tão ruim aqui. Não que você tenha que ficar orgulhoso por ser alemão. Mas você tem que ser feliz. Esse ano passado fora me mostrou isso muito bem – que existem outras pessoas que não tem nada. E quando digo nada, é nada mesmo, sabe?
Muitas vezes, no Brasil, você vê pessoas que vivem numa pobreza tão, tão grande... uma pobreza muito distante da pobreza aqui da Alemanha. E, lá no Brasil, as pessoas não têm nada e trabalham o dia inteiro. Um dos maiores exemplos para mim foi ter visto um 'burro sem rabo', um desses caras que carregam um carrinho de duas toneladas com papelão velho. Ele estava vestindo só um short velho e chinelos, puxando aquele carrinho de dois metros de altura, forrado de papelão, morro acima. Pô, o cara não tem nada, e o que é que ele está fazendo? Está cantando porque o dia está bonito.
Isso é uma atitude que é totalmente diferente da do alemão. Porque o alemão tem tudo e ainda fica reclamando, sabe? Que o carro do vizinho é um pouco melhor, que a mulher dele é mais bonita e que ele vai mais longe pras férias do que você. Lá não tem muito essa cultura da inveja como aqui.
Isso é algo que eu agradeço por ter vivenciado, porque dá para ver que dá para encarar a vida. Tem que curtir o momento. O brasileiro sabe fazer isso muito mais do que o alemão.
É preciso encontrar uma boa mistura entre o alemão e o brasileiro. Tenho dois filhos, e isso a gente tem que tentar ensinar para as crianças: que não é tudo mau, mas que também não é tudo bom. Que você tem que curtir o momento e curtir a vida – o que o alemão esqueceu, porque o que a gente vive aqui na Alemanha é uma maravilha, né?"
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