"Os católicos precisam ouvir os LGBT"
4 de outubro de 2019Na última segunda-feira (30/09), o papa Francisco recebeu, em audiência privada, o padre jesuíta americano James Martin. Foram 30 minutos de conversa. A única testemunha foi o intérprete particular o sumo pontífice. "Um dos pontos altos de minha vida", escreveu ele, em suas redes sociais, um pouco mais tarde. "Senti-me encorajado, consolado e inspirado pelo Santo Padre. Seu tempo comigo, em meio a um dia agitado e de uma vida agitada, é um sinal claro de seu profundo cuidado pastoral junto aos católicos LGBT e pessoas LGBT em todo o mundo.
Nascido em 1960 na Pensilvânia, Estados Unidos, Martin é um sacerdote conhecido por seu trabalho de acolhimento aos católicos homossexuais. Publicado originalmente em 2017, seu livro Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter into a Relationship of Respect, Compassion, and Sensitivity (Construindo uma ponte: como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem entrar numa relação de respeito, compaixão e sensibilidade) já ganhou traduções para o italiano, o alemão, o espanhol e o holandês. Ele atua como consultor junto ao Vaticano.
Em entrevista à DW Brasil, Martin diz que a conversa com Francisco foi calorosa, amigável e encorajadora: "Senti que sua preocupação pastoral pelas pessoas LGBT é grande".
DW Brasil: Como você expôs ao papa suas preocupações quanto ao acolhimento de católicos LGBT?
James Martin: Não quero revelar detalhes da nossa reunião, mas posso dizer que compartilhei com ele as alegrias, as esperanças, as tristezas e as ansiedades dos católicos e pessoas LGBT de todo o mundo.
Como você avalia a receptividade do papa a essa questão?
O papa Francisco nutre uma profunda preocupação pelas pessoas LGBT. Isso é evidenciado pelo simples fato de que ele se encontrou comigo por 30 minutos.
Em seu livro ‘Building a Bridge' você defende que o acolhimento dos homossexuais pela Igreja Católica deve ser feito com compaixão, sensibilidade e respeito. Você acredita que isso já vem ocorrendo? De que forma?
Meu livro é um dos muitos esforços que vêm ocorrendo na Igreja para a construção de pontes. "Respeito", "compaixão", e "sensibilidade", essas palavras do Catecismo são muito importantes. Vemos que cada vez mais as paróquias têm grupos de evangelização dedicados a ajudar os católicos LGBT a se sentirem confortáveis no que é, afinal, a Igreja deles também. Tais grupos são pontes. À medida que os pastores e as pastorais se familiarizam mais com a realidade das pessoas LGBT, mais fica evidente o crescimento do "respeito", da "compaixão" e da "sensibilidade" em relação a eles.
Na sua opinião, ainda há muita resistência da Igreja em acolher as pessoas LGBT? Por quê?
Sim, infelizmente, ainda existe resistência em muitos lugares. Muito disso deriva do medo: o medo da pessoa LGBT como o "outro", o medo de uma mudança na abordagem pastoral da Igreja e, infelizmente para algumas pessoas, o medo de sua própria sexualidade complicada.
Que conselhos você daria aos católicos, em suas comunidades, para que saibam como receber homossexuais que querem se sentir inseridos?
Primeiramente, eu diria para ouvi-los! Ouçam suas experiências, suas esperanças e sonhos e, especialmente, onde eles foram feridos pela Igreja. Ouçam suas experiências de Deus. Segundo, em um nível pessoal, tratem-nos da maneira que você gostaria de ser tratado. Por fim, tentem iniciar grupos de acolhida para fazê-los se sentirem mais bem-vindos.
Que resposta você daria aos católicos mais fundamentalistas que usam trechos bíblicos para condenar homossexuais?
A maioria dessas passagens é retirada de contexto. É claro que temos que considerá-las, mas existem muitos outros trechos, por exemplo, em Levítico, que nos proíbem de plantar dois tipos diferentes de plantas no mesmo campo ou de usar dois tipos diferentes de tecido, ou de trabalhar sábado — e agora entendemos isso em um contexto completamente diferente. Ou seja, não os consideramos mais literalmente. Mas, de alguma forma, todas as passagens sobre homossexualidade, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, são interpretadas literalmente. Por que algumas passagens são vistas em seu contexto histórico e outras não?
Recentemente, o papa Francisco anunciou que o arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi, será nomeado cardeal - a cerimônia está marcada para o próximo domingo. Zuppi é conhecido por sua postura de acolhimento junto aos LGBT. A nomeação dele é simbólica para a causa?
O cardeal Zuppi é conhecido em geral por sua ampla postura de acolhimento a muitos grupos marginalizados, não apenas às pessoas LGBT. Mas, sim, ele realmente tem uma abordagem aberta e acolhedora aos católicos LGBT. Quando a versão em italiano do meu livro Building a Brigde foi publicada, ele generosamente escreveu um prefácio.
Como, quando e por que você se tornou um defensor dessa causa?
Eu não planejei. Mas depois do tiroteio que alvejou 49 pessoas em uma boate gay na Flórida, em 2016, fiquei perturbado com a falta de resposta de muitos líderes católicos sobre o assunto. Parecia que mesmo na morte as pessoas LGBT eram invisíveis. Isso me levou a redigir um livro, a me dedicar a um ministério, a defender uma causa. E a me reunir com autoridades no Vaticano. Parece ser obra do Espírito Santo.
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