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Os cálculos de Cunha na política e na Justiça

17 de fevereiro de 2017

Ao arrolar Michel Temer e Moreira Franco como testemunhas, ex-deputado cria constrangimentos, eleva tensão no meio político e tenta barganhar com Ministério Público condições melhores para sua delação premiada.

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Eduardo Cunha
O ex-deputado Eduardo Cunha, preso em outubro e levado para Curitiba, ainda não fez acordo de delação premiadaFoto: Reuters/A. Machado

Quem conviveu com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como parlamentar e presidente da Câmara tem relatos impressionantes sobre sua memória, perspicácia, inteligência e refinada articulação política. O mesmo ocorre agora, quando, réu da Operação Lava Jato, preso desde outubro do ano passado em Curitiba, o deputado cassado surpreende renomados criminalistas ao traçar estratégias de sua própria defesa e mostrar conhecer detalhes dos processos dos quais é réu.

As 19 perguntas de Cunha para Temer e Moreira Franco

Ao apresentar 19 perguntas nesta quinta-feira (16/02) para as testemunhas que arrolou como defesa, desta vez na Justiça Federal em Brasília, Cunha mexeu importantes peças do jogo. Suas testemunhas serão o presidente Michel Temer e o agora ministro Moreira Franco, seus colegas de partido de longa data. No mundo da política, a estratégia de defesa soou como uma ameaça.

Este caso sob investigação em Brasília, do qual Cunha é réu, refere-se a um fundo de investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FI-FGTS. Criado em 2007, esse fundo aplica recursos do FGTS "na construção, reforma, ampliação ou implantação de empreendimentos de infraestrutura em rodovias, portos, hidrovias, ferrovias, aeroportos, energia e saneamento". Moreira Franco controla, no governo, exatamente o setor das parcerias privadas com o poder público.

Rastilho de pólvora

Desde que foi preso, paira em Brasília um certo pânico, em especial no PMDB e no Palácio do Planalto, sobre os efeitos de uma eventual delação premiada de Cunha. "Ele não fez nenhuma pergunta cuja resposta não saiba. A intenção dele é exatamente essa: dizer que ele sabe as respostas. Isso é brilhante. O que ele fez foi brilhante. É lógico que ele espalhou a pólvora", opina o advogado Roberto Tardelli, procurador de Justiça aposentado.

Crítico das delações premiadas, Tardelli compara Cunha a um enxadrista experiente que deu xeque-mate no rei. Deixa no ar a possibilidade de trazer Temer para o olho do furacão caso negocie com o Ministério Público uma delação premiada. "Ele tornou pública a ameaça de que vai envolver o presidente da República", analisa o ex-procurador. A jogada é audaciosa, na opinião do advogado, e de certa maneira Cunha tomou o baralho das mãos dos investigadores. "Quem está dando as cartas é ele."

O preço e o timing da delação

Para Thiago Bottino, professor de direito penal da Fundação Getúlio Vargas do Rio, não se pode entender as perguntas como uma espécie de delação às avessas, em que Cunha antecipa alguns fatos sobre os quais poderia ter conhecimento. "A premissa da delação é a pessoa confessar que praticou um crime e mostrar que outras pessoas também praticaram, e cuja participação não é de conhecimento do Ministério Público, fornecendo provas. Cunha não está confessando que cometeu crime."

Porém, Bottino aponta que o ex-deputado pode estar jogando com o timing e barganhando para obter uma delação premiada mais vantajosa. "O Ministério Público pode não ter oferecido a delação a Cunha porque não sabe exatamente o que vai pedir. E Cunha pode não ter se manifestado pela colaboração porque acha que, se colaborar agora, teria menos benefícios. Os dois lados agem por estratégia."

As perguntas e as testemunhas arroladas, para o professor, podem ter no meio jurídico um efeito muito distinto do que produzem no meio político. Ele pontua, por exemplo, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva arrolou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu rival na política, como testemunha de defesa. O objetivo de Lula era que FHC informasse que é normal fundações de ex-presidentes receberam doações.

Modus operandi

No caso de Cunha, segundo Bottino, há algo também nessa linha. Pelas perguntas formuladas, Cunha quer deixar claro ao juiz que é um procedimento normal, na política, um parlamentar ter encontro com empreiteiros, por exemplo.

"As perguntas podem constranger políticos e aliados? Podem. Mas não é bem uma delação. O que ele está querendo dizer é que nem ele nem aquelas pessoas que ele cita cometeram crimes. Agora, se ele vai convencer o juiz e a opinião pública, aí são outros quinhentos", pondera o professor.

De fato, em boa parte de seus questionamentos, Cunha pede que Temer e Moreira Franco falem sobre encontros e indicações políticas para cargos. "Várias defesas são nesta linha, de mostrar que é como sempre foi feito. É um padrão, tinha indicação política e não necessariamente aquilo era um esquema. Você indicou fulano? Você participou da reunião onde foi definido o nome de fulaninho para direção de tal coisa?", exemplifica o professor da FGV.

Consequências

Temer e Moreira Franco são obrigados a dar seu testemunho. O presidente tem a prerrogativa de fazê-lo por escrito. Moreira Franco, por ser ministro, pode definir o dia, local e hora para o depoimento. Cabe ao juiz deferir ou indeferir as perguntas. O juiz Sérgio Moro, por exemplo, já ignorou parte de perguntas que Cunha fez em outro processo a Temer sob o argumento de que ele quis constranger o presidente.

O juiz que vai conduzir o processo em Brasília, segundo os especialistas, fica em posição delicada. "O juiz pode ignorar essas perguntas sobre fatos que dão a entender sobre suposto envolvimento do presidente da República com organização criminosa e corrupção?", questiona Tardelli.

Bottino critica a decisão de Moro. O juiz pode rejeitar as perguntas caso conclua que não têm relação com a causa, caso redundem em repetição ou caso possam levar a uma indução da resposta. Neste caso, explica, o juiz pode pedir a reformulação da pergunta.

"O juiz deveria dar liberdade às partes perguntarem. Se ele impede a pergunta, antes de ela ser feita, como vai dizer se é importante ou não? A rigor, quem tem que produzir as provas são as partes, e não o juiz. Se ele diz que essa pergunta não interessa, no fundo ele que está produzindo a prova. E isso é o oposto do que o código orienta", afirma, numa crítica a Moro.