Os dilemas da doação de esperma
23 de outubro de 2015"Eu gostaria de saber quem ele é", diz Nicole, de 30 anos. A jovem de Düren, no oeste da Alemanha, é muito próxima da mãe, mas não sabe nada sobre o pai, nem o nome. Na verdade, seus pais também não se conhecem, nunca se viram ou tiveram contato um com o outro. Nicole é uma das cerca de 100 mil crianças na Alemanha concebidas por meio da doação de esperma.
A jovem conheceu sua origem aos 12 anos. Ela estava preocupada em ser como o homem que morava com a mãe desde que a menina tinha cinco anos – ele maltratava as duas. Quando descobriu a verdade, Nicole se sentiu tão aliviada ao saber que aquele não era o seu pai, que nem ligou se era fruto de uma doação de esperma. "Eu fui uma criança realmente planejada", diz.
Thomas Katzorke é médico especialista em reprodução e, há 45 anos, ajuda mulheres e famílias a terem filhos por meio de doação de esperma. Em sua clínica em Essen, ele promove, por ano, cerca de mil gravidezes e cobra de 3 mil a 4 mil euros para fazer a fertilização.
Katzorke aconselha os pais a sempre dizerem para os filhos que eles são fruto de uma doação de esperma. Para ele, o doador não é parte integrante da família, mas sua clínica registrou cerca de 50 a 60 pedidos para conhecimento da paternidade.
Direito fundamental
Na Alemanha, a doação de esperma é legal e regulada pela Associação Médica Alemã. Mas muitos detalhes não são definidos por lei, como, por exemplo, o direito de uma criança saber o nome do pai biológico.
Segundo a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, todo mundo tem o direito de conhecer sua ascendência. Com base nisso, o Tribunal Regional Superior de Hamm, na Alemanha, determinou, em 2013, que um filho de doador tinha o direito de saber o nome do pai biológico.
Os registros médicos, que contêm as identidades do doador do esperma e da mulher que foi fertilizada, devem ser preservados, segundo a lei alemã, por 30 anos pelos médicos ou bancos de esperma.
Os doadores são, em geral, anônimos. A paternidade legal fica com o homem do casal, que deve ter desejado e consentido a inseminação. O pai biológico também pode, teoricamente, oferecer auxílio e suporte à criança.
Entrando em contato
Udo M. tem 70 anos e, há cerca de 30, doou esperma. "Eu li sobre isso num panfleto para doar sangue", conta. Durante cinco anos, a cada quatro semanas, ele fazia a doação. Hoje, Udo é um dos poucos que falam abertamente sobre o assunto: "Há alguns anos atrás, eu li um artigo sobre uma menina que estava procurando o pai." Ele próprio já tinha uma filha.
Ele resolveu, então, se registrar num banco de dados de DNA. Pouco tempo depois, veio a notícia: foi encontrada compatibilidade, e Udo conheceu o filho. "O encontro não foi nada de espetacular", diz ele. Sem cenas de abraços apertados, eles apenas conversaram, mas, desde então, os dois mantêm contato por e-mail.
Normalmente, um homem recebe entre 50 e 100 euros por doação e acaba tendo entre dez e 15 "filhos". "Nós precisamos de muito mais doadores que fazem isso para ajudar os casais que querem ter filhos", diz Tobias Fischer, que fez doutorado na universidade RWTH Aachen sobre os aspectos éticos da fecundação por doação de esperma. "A criança precisa de um ambiente de amor, não tem relação com o sangue", diz.
A associação Spenderkinder, porém, acredita que isso não é o suficiente: além do ambiente, os genes também podem ter uma influência grande sobre a pessoa. Desde 2007, a associação defende os direitos das crianças provenientes de doação de esperma e acredita não ser possível que metade da genética dos pais continue uma zona cinzenta. Assim como acontece nos casos de adoção, o nome do pai biológico deveria constar no registro de nascimento, mas todo o procedimento ainda é muito centrado na vontade dos pais, segundo a associação.
Claudia Brügge é casada e mãe. Quando tinha 40 anos, ela e o marido decidiram ter um filho através de doação de esperma. Hoje, ela integra a equipe da DI-Netz, organização que presta apoio a casais e famílias na Alemanha. "No caso do nosso filho, o nome do doador foi registrado por um tabelião", diz Brügge.
Ela também acredita ser importante deixar claro para os filhos desde pequenos as suas origens. E os pais precisam estar preparados para quando a criança descobrir que não tem relação genética com o pai. "Quanto mais cedo contar, melhor", orienta Brügge. A descoberta tardia, em circunstâncias desfavoráveis, pode ser um choque para o filho.
Apesar de ficar contente por alguém ter ajudado sua mãe a ter uma filha, Nicole diz esperar regras melhores para o futuro. "Por favor, que haja finalmente uma lei que esclareça as condições para todos os envolvidos." De acordo com o Ministério da Justiça alemão, um grupo de trabalho já se reuniu para debater o assunto, mas uma decisão ou lei pode vir apenas em meados de 2017.
Regras brasileiras
O Brasil também não tem uma legislação específica para a realização da reprodução assistida. O que rege a conduta dos especialistas no Brasil é uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2013, atualizada em 2015.
O texto determina, por exemplo, o número máximo de embriões que podem ser transferidos para a receptora: dois para mulheres com até 35 anos, três para aquelas entre 36 e 39 anos e quatro para as mulheres de 40 anos ou mais. O objetivo é limitar o número de gêmeos múltiplos que podem nascer após o procedimento.
O texto do CFM veta a exploração comercial da doação de sêmen ou de óvulos. No caso dos homens, por exemplo, qualquer pessoa saudável do sexo masculino pode procurar um banco de sêmen para fazer a doação, que deve ocorrer de maneira gratuita.
Outra regra estabelecida pela resolução impede que os receptores conheçam os doadores – e vice-versa. Espera-se que, com isso, sejam evitados casos de contestação de maternidade ou paternidade.
AF/dpa