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Os efeitos da guerra na Ucrânia sobre países da região

Cristian Stefanescu Bucareste | Christopher Nehring Sófia | Keno Verseck Berlim | Florian Schmitz Tessalônica
24 de fevereiro de 2023

Como vizinhas diretas da Ucrânia, Romênia e Hungria são particularmente afetadas pelo conflito que já dura um ano. Mas países um pouco mais distantes, como Bulgária e Grécia, também sentem impactos da guerra.

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Cartaz de manifestação de solidariedade à Ucrânia em Sófia, capital da Bulgária
Cartaz de manifestação de solidariedade à Ucrânia em Sófia, capital da BulgáriaFoto: Alexandar Detev/DW

A guerra de agressão russa afetou diretamente os países que fazem fronteira com a Ucrânia, transformando-as sobretudo em nações de refúgio ou trânsito de refugiados. Três milhões de pessoas cruzaram a fronteira para a Romênia, membro da União Europeia (UE), e 100 mil se estabeleceram no país, metade delas crianças.

Mas nações mais distantes no sudeste da Europa, como a Bulgária e a Grécia, não ficaram imunes à agressão russa. Elas também receberam refugiados ou apoiaram a Ucrânia com armas. Apenas a Hungria, cujoprimeiro-ministro, Viktor Orbán, é próximo ao presidente russo, Vladimir Putin, e reluta às sanções da UE, se opõe à ajuda militar à Ucrânia.

A seguir, os relatos de correspondentes da DW sobre quatro países particularmente afetados pela guerra.

Romênia: Também seremos atacados pela Rússia?

Nunca, desde a Segunda Guerra Mundial, as pessoas na Romênia sentiram tanto medo quanto na noite de 24 de fevereiro de 2022, quando começou a invasão da Ucrânia pela Rússia. Na época, muitos se perguntaram: o que faremos se os russos também nos atacarem?

Um ano depois, a guerra no país vizinho prossegue. Mas "os militares e os serviços de informação reagiram de forma rápida e eficaz", disse à DW o especialista militar romeno Claudiu Degeratu. O orçamento de defesa foi aumentado, e foram adotados novos programas de modernização do Exército.

Segundo ele, agora são necessários investimentos na indústria local de armamentos. Há também deficiências na infraestrutura: as malhas rodoviária e ferroviária não estão suficientemente desenvolvidas. Ao mesmo tempo, porém, a presença de tropas da Otan na Romênia aumentou significativamente. Agora, os fundos da UE serão usados ​​para compensar o que deixou de ser feito na área de infraestrutura durante 30 anos.

 

Do ponto de vista econômico, a Romênia está em uma posição melhor do que outros países da UE devido à sua baixa dependência do fornecimento de gás russo e à redução das transações financeiras com Moscou. Os indicadores macroeconômicos praticamente não mudaram.

No entanto, os temores das pessoas aumentaram, e diminuiu a esperança de uma recuperação econômica após a crise causada pela pandemia de covid.

"O rápido aumento da inflação devido aos preços da energia e a má gestão econômica levaram a uma queda nos rendimentos e padrões de vida das pessoas", disse à DW o jornalista de economia Stelian Muscalu. O consumo também está sofrendo com isso, acrescenta.

Durante a crise de grãos após o início da guerra, a Romênia foi um dos países parceiros mais importantes, possibilitando a exportação de cereais ucranianos. Na cidade romena de Constança, no Mar Negro, fica o porto de grãos mais importante e geograficamente mais bem posicionado da UE e que provou ser a solução mais eficiente para o transporte de grãos. No porto de Istambul, por outro lado, os navios que transportam grãos ucranianos costumam ficar parados por até 50 dias porque ali a Rússia tem o direito de inspecionar a carga.

Bulgária: Nada é o que parece

Até o momento, oficialmente o governo búlgaro não entregou nenhuma munição ou arma diretamente à Ucrânia. À primeira vista, isso não surpreende, já que a Bulgária é tradicionalmente pró-Rússia. Mas nada é o que parece: na realidade, o país, que é membro da Otan, é um dos mais importantes fornecedores de armamentos para a Ucrânia.

"O país que secretamente salvou a Ucrânia" foi a manchete do diário alemão Die Welt em 20 de janeiro de 2023, revelando o que até então era um segredo mal guardado: o governo do reformador pró-ocidente Kiril Petkov, então no cargo há pouco menos de oito meses, forneceu munição e óleo diesel à Ucrânia entre abril e agosto de 2022. Cerca de 30% da munição e até 40% do combustível usado pelos tanques e veículos do Exército ucraniano teriam vindo da Bulgária.

Isso é notável porque a Bulgária, que depende doabastecimento de energiada Rússia, foi o primeiro país, junto com a Polônia, a ter o gás cortado por Moscou em abril de 2022. Entregar diesel valioso neste período de crise foi uma decisão ousada. Foi igualmente ousado esnobar com essa ajuda os simpatizantes russos no país.

Volodimir Zelenski com Kiril Petkov
O então primeiro-ministro búlgaro Kiril Petkov com Volodimir Zelenski, em 28 de abril de 2022, em KievFoto: SERGEI SUPINSKY/AFP/Getty Images

Naquela época, assim como agora, os ex-parceiros de coalizão de Petkov do Partido Socialista Búlgaro (BSP) e o presidente Rumen Radev eram ferrenhos oponentes à ajuda militar e às sanções. Em consideração à paz da coalizão e às simpatias pró-Rússia entre a população, ninguém falou publicamente sobre a ajuda. Internacionalmente, ela trouxe muito respeito a Petkov, mas internamente continua controversa.

Portanto, na Bulgária, a guerra na Ucrânia é mais um tema doméstico do que de política externa. E nada é o que parece, mas tudo está cheio de contradições: o chefe de Estado Radev condena publicamente o ataque russo, mas se opõe a tudo que vai contra os interesses de Moscou. O mesmo se aplica aos socialistas, cuja líder Kornelia Ninova, ministra da Economia do governo Petkov, chefiou o departamento que supervisiona todas as exportações de armas búlgaras. Ambos aparentemente sabiam sobre as entregas, que não foram mantidas estritamente confidenciais.

Após a queda do governo Petkov, a maioria no Parlamento votou a favor da ajuda militar direta no final de 2022, mas o governo interino nomeado pelo presidente Radev ainda não está disposto a implementar essa decisão em escala significativa. E embora o apoio popular direto a Putin e sua guerra esteja diminuindo, pesquisas mostram que partidos e políticos claramente pró-Ocidente não obterão maioria em abril de 2023, na quinta eleição no país em dois anos e meio.

Hungria: "Sonâmbulos no telhado"

Quase no aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia, oprimeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, fez jus à sua reputação de "braço prolongado de Putin" na UE. Em seu tradicional discurso sobre o balanço anual, em Budapeste, em 18 de fevereiro de 2023, não houve uma palavra de solidariedade ao país atacado.

Em vez disso, Orbán acusou as nações ocidentais de serem "defensoras da guerra" e de cambalearem para uma nova guerra mundial "como sonâmbulos no telhado". O premiê húngaro pediu ainda o fim das sanções contra Moscou, boas relações econômicas de todo Ocidente com a Rússia e "negociações de paz entre americanos e russos".

O discurso de Orbán gerou polêmica. O primeiro-ministro comparou o fornecimento de tanques da Alemanha à Ucrânia à invasão de Hitler à União Soviética. "Em algumas semanas, os tanques Leopard rolarão no solo da Ucrânia, em direção ao leste, à fronteira russa. Talvez ainda existam mapas antigos", disse Orbán.

Viktor Orbán e Vladimir Putin
Viktor Orbán e Vladimir Putin durante encontro em Moscou em 2018Foto: ALEXANDER ZEMLIANICHENKO/AFP/Getty Images

Até hoje, o primeiro-ministro húngaro não condenou incondicionalmente a agressão da Rússia à Ucrânia. Em vez disso, suas declarações sobre o país invadido várias vezes levaram a escândalos. No final de janeiro de 2023, por exemplo, Orbán descreveu a Ucrânia como "terra de ninguém". Kiev reagiu com fortes protestos e convocou o embaixador húngaro a dar explicações.

A atitude de Orbán pode ser explicada pela forte dependência da Hungria do fornecimento de energia da Rússia. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro húngaro isola cada vez mais seu país na Europa. Às vezes, com gestos embaraçosamente desafiadores: quando o presidente  ucraniano, Volodimir Zelenski, esteve em Bruxelas para uma cúpula da UE em 9 de fevereiro de 2023, os líderes dos países-membros o saudaram com aplausos por ocasião de uma foto de grupo. Apenas um não bateu palmas: Viktor Orbán.

Grécia: Refugiados encontram novo lar

"Estou apenas tentando ser feliz", diz Nina Plechak-Paskal, de 37 anos. Há um ano, ela foi de Kiev a Tessalônica, na Grécia, com a filha de 15 anos. Ela já havia fugido para a capital ucraniana em 2014, quando o exército de Putin tomou a Crimeia , e grupos pró-Rússia controlados por Moscou ocuparam sua região natal, Donetsk.

"Tive que começar do zero em Kiev", lembra ela. E quando começou a invasão russa no ano passado, ela teve que deixar tudo para trás mais uma vez.

Nina Plechak-Paskal
Nina Plechak-Paskal fugiu de Kiev para Tessalônica, na GréciaFoto: Florian Schmitz/DW

Muitos ucranianos se sentem ligados à Grécia por meio do cristianismo ortodoxo, mas isso não necessariamente torna a vida mais fácil: "Viver aqui não é como passar férias ao sol. Muitas coisas são muito complicadas. Se você não tem dinheiro, pode ir para um campo de refugiados, mas realmente se consegue aguentar lá por muito tempo? Se você não fala o idioma, é difícil conseguir documentos. Nas repartições públicas, muitos só falam grego", explica Plechak-Paskal.

De acordo com o Consulado Geral da Ucrânia em Tessalônica, mais de 100 mil ucranianos cruzaram a fronteira com a Grécia desde o início da guerra. Eles desfrutam do status de proteção temporária. Portanto, não precisam solicitar asilo, mas podem obter uma autorização de residência com relativamente pouca burocracia em comparação com refugiados de outros países.

No entanto, a situação para muitos dos refugiados não é fácil, explica Vadim Sabuk, cônsul-geral da Ucrânia: "Muitas das pessoas que estavam aqui se mudaram para países onde recebem mais ajuda financeira". Na Grécia, existe apenas o programa Helios, financiado pela UE, através do qual refugiados reconhecidos podem financiar um apartamento − mas isso não é suficiente. Por isso apenas cerca de 22 mil ucranianos vivem na Grécia hoje.