Os efeitos do coronavírus sobre a Alemanha, 100 dias depois
6 de maio de 2020Uma mera comparação de números já fala por si: passados 100 dias desde que o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado na Alemanha, em 27 de janeiro, houve uma média de cerca de oito mortes por covid-19 por 100 mil habitantes no país. Nos EUA, a taxa de mortalidade é de 20; no Reino Unido, de 43; e na Espanha, de 54.
"Até agora, a proteção da população deu bastante certo na Alemanha", resume Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch, em relação ao progresso da pandemia no país. O instituto de prevenção e controle de doenças é uma espécie de autoridade nacional de saúde e se reporta ao Ministério da Saúde alemão.
Comparada a outros países, a Alemanha reagiu às infecções precocemente, segundo Wieler, e não apenas quando já havia muitas pessoas infectadas. As medidas iniciais foram particularmente eficazes, de acordo com o especialista.
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, já considerada antes da crise como "carta fora do baralho" por uma parcela da mídia alemã e também da sua União Democrata Cristã (CDU), levou cedo a pandemia a sério. Ela falou aos cidadãos em discursos na TV, quase fez de entrevistas coletivas consultas aos cidadãos e – cientista formada que é – explicou sem esforço o significado dos gráficos, curvas e números da pandemia.
Enquanto outros chefes de Estado, como o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, minimizaram a covid-19, Merkel gradualmente liderou o país lentamente rumo ao distanciamento social e coordenou acertos entre o governo federal, os estados e os municípios, que nem sempre são fáceis num sistema federal. No exterior, foram feitos muitos elogios ao caminho alemão e à chanceler.
Ao mesmo tempo, o governo federal disponibilizou ajudas bilionárias. O dinheiro estava disponível. Ao contrário da Itália ou da Espanha, a Alemanha há anos vinha gerando superávits. A Agência Federal de Emprego também dispunha de uma reserva de 28 bilhões de euros, com a qual, por exemplo, é financiado o sistema de jornada reduzida, que já deu resultados em outras crises.
Sistema de saúde
Além disso, o sistema de saúde foi preparado para sofrer um aumento no número de pacientes. Embora a Alemanha, em comparação internacional, já esteja bem equipada com leitos de terapia intensiva, o país ainda conseguiu um aumento significativo nesse campo. As clínicas receberam verba extra se reservassem camas para pacientes de covid-19 e não realizassem outras operações. Um registro nacional foi estabelecido. Os relatórios diários do Instituto Robert Koch mostraram quantas camas de terapia intensiva estavam ocupadas e quantos leitos estavam livres.
Também foram expandidas de forma precoce as capacidades de testes. A estrutura descentralizada do sistema de saúde provou ser uma vantagem – com diretrizes centrais, mas com planejamento e liberdade econômica locais. O ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, disse que ficou aliviado por não ter de arcar com o ônus das decisões sozinho, mas por poder contar com a ajuda dos governadores e com o trabalho dos 400 departamentos de saúde dos municípios. Essa é uma vantagem sobre Estados centralizados.
Opções de escape
O pesquisador, autor e conselheiro governamental Stephan Grünewald também acha que a Alemanha até agora passou bem pela crise na comparação internacional. Um de seus livros trata das características típicas dos alemães. Uma delas tornou-se importante novamente: "Tipicamente alemão é um alto grau de disciplina", confirma Grünewald o que já é tido como um clichê.
Além disso, os cidadãos são rápidos em se adaptar a uma nova estrutura cotidiana. Os políticos se comportaram de maneira semelhante e "trabalharam as exigências de maneira estruturada".
Mas o especialista avisa que esse é apenas um lado da moeda. Os alemães são, por um lado, o país das burocracias e, portanto, da regulamentação, segundo Grünewald, mas, por outro lado, também campeões mundiais em viagens. "Só podemos aguentar a nós próprios se tivermos a opção de escapar por meio de viagens – o que agora se transformou em caminhadas ou em pequenas compras."
Ele afirma que isso é muito importante para as pessoas conseguirem ser disciplinadas. Na Espanha, Itália ou Rússia, os cidadãos mal podem sair de casa. Os políticos na Alemanha não seguiram esse caminho, mas permitiram oportunidades de fuga temporárias – mediante respeito a um distanciamento mínimo prescrito, regras de higiene e restrições de contato.
Popularidade do partido de Merkel
Pesquisas mostraram que uma grande maioria apoiou as medidas. Essa tendência quase não mudou nas primeiras semanas. Isso também se tornou visível por um enorme aumento nas taxas de aprovação dos democratas-cristãos em cerca de dez pontos percentuais. O partido de Merkel e Spahn não atingia valores de quase 40% de aprovação há anos.
Recentemente, no entanto, a aprovação geral vem caindo. Os partidos da oposição criticam o curso de ação do governo, tornando-se manchete e incentivando um debate sobre se o "bloqueio" é rígido demais e prejudicial demais para a economia.
Estados tomaram iniciativas individuais e decidiram flexibilizar as medidas de distanciamento social. Os especialistas do Instituto Robert Koch apoiaram, e o presidente do órgão argumentou que as autoridades locais sabem o que é melhor localmente e o que é necessário fazer para que o número de casos não volte a aumentar em determinada área.
Novas experiências para cidadãos
"Após a aliança nacional no início da crise, agora existe uma crescente polarização, também entre os cidadãos", explica Grünewald. O Instituto Rheingold, que ele dirige, está atualmente investigando vencedores e perdedores da crise através de um estudo.
Ele diz que alguns se adaptaram muito bem à nova situação, enquanto outros se veem em uma espécie de "limbo". Rivalidades, inveja e questões de justiça agora estariam se tornando mais visíveis. Em algumas cidades, como Berlim, agora existem protestos de rua com teóricos da conspiração da esquerda e da direita, esotéricos e também extremistas políticos.
Mas, no geral, experimentamos um país disciplinado nas últimas semanas, cujos cidadãos reagiram muito criativamente a uma desaceleração radical, de acordo com o especialista. Ele lembra que os vizinhos, que de outra forma só se cumprimentavam brevemente, passaram a conversar mais no corredor, portais de ajuda para idosos e doentes foram criados, restaurantes oferecem pratos prontos para viagem, desde bifes a coquetéis.
"Coisas que muitos consideram banais, como caminhadas, jardinagem ou jogos de tabuleiro, experimentaram um renascimento", diz Grünewald. "A experiência de que você pode conseguir sobreviver com menos permanecerá viva, mesmo após a crise."
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