Os laços entre o Kremlin e o populismo de direita europeu
21 de maio de 2019Uma mansão em Ibiza, grandes quantidades de vodca e energético, uma suposta herdeira milionária da Rússia e a oferta imoral de ajudar dois políticos a chegar ao poder. O que soa como filme de espionagem foi vivenciado pelos populistas de direita austríacos Heinz-Christian Strache e Johann Gudenus em suas férias na ilha espanhola no Mediterrâneo.
Essa armadilha montada por desconhecidos virou escândalo na sexta-feira passada (17/05), com consequências já conhecidas: uma verdadeira crise de Estado, com o fim da coalizão de governo entre o Partido Popular Austríaco (ÖVP) e a legenda populista de direita FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria), chefiada por Strache.
O líder do FPÖ e seu protegido político Gudenus caíram na arapuca porque a história fazia sentido, comenta o jornalista Andreas Joelli, correspondente em Berlim da emissora pública austríaca ÖRF. "A suposta sobrinha dos oligarcas russos: isso foi bem montado, porque de fato existe essa relação entre o FPÖ e o presidente Vladimir Putin, entre o FPÖ e o partido Rússia Unida."
Os ultradireitistas da Áustria mantêm há anos laços estreitos com o Kremlin – um posicionamento iniciado pelo líder do partido, Strache. Na verdade, o FPÖ se posicionou de forma estritamente antissoviética desde sua fundação, em 1950 – e assim permaneceu mesmo depois de 1990.
Mas, a partir de 2007, surgiram sinais mútuos repentinos: regulares cumprimentos pela vitória eleitoral do partido de Putin, Rússia Unida; apoio verbal à intervenção militar russa, como em 2008, quando as tropas do Kremlin invadiram a Geórgia. Seguiram-se convites para visitar o Kremlin, visitas controversas de políticos do FPÖ à Chechênia.
Em 2016, o FPÖ fechou um acordo de cooperação com o Rússia Unida. Quanto mais a Rússia ficava isolada internacionalmente, mais intensos eram os contatos, explica o cientista político ucraniano Anton Shechovzov, cuja especialidade é a influência de Moscou sobre os extremistas de direita da Europa.
"Partidos e organizações de extrema direita estão entre as poucas forças políticas na Europa que ainda cooperam com o Kremlin", disse o pesquisador ucraniano residente em Viena, explicando que Moscou precisa de aliados no Ocidente. "Um dos motivos é o impacto sobre a população russa: mostrar que a Rússia não está isolada."
Para o FPÖ e outros partidos populistas de direita na Europa isso significa aparecer na mídia russa – ser notado é uma moeda forte para políticos. O sistema é projetado para beneficiar ambas as partes, explica Shechovzov. "Quando políticos do FPÖ surgem como observadores eleitorais no chamado referendo na Crimeia, logo se seguem convites para uma entrevista ou reunião em Moscou, onde falam com a mídia russa."
Nesse caso, pouco importa se os populistas de direita despertaram atenção, no passado, por declarações extremistas, diz o especialista ucraniano. "É completamente irrelevante se se trata de neonazistas antigos ou ativos. O importante é que sejam detentores de mandatos."
Para a Rússia, no entanto, não se trata apenas de legitimar suas próprias políticas, mas também de aliviar as consequências do isolamento internacional. Os populistas de direita do FPÖ e de outros países da União Europeia têm o papel de ajudar o governo russo a estabelecer contatos com empresas de médio porte, afirma Shechovzov.
Por exemplo, empresas que, apesar das sanções internacionais à Rússia, estariam dispostas a investir na região ocupada do Donbass, no leste da Ucrânia, ou na península anexada da Crimeia.
É um sistema de "toma lá, dá cá" que Strache e Gudenus conheciam muito bem quando se encontraram com a suposta sobrinha de um oligarca russo em meados de 2017.
E eles sabiam que contatos russos suspeitos podem ser um problema na mídia e junto a opositores políticos, mas o próprio eleitorado pouco se importa com isso, comenta Joelli. "O FPÖ se dirige principalmente a eleitores que se sentem abandonados ou desfavorecidos."
O escândalo custará votos ao FPÖ nas próximas eleições europeias, mas não por causa da proximidade acrítica do partido em relação ao Kremlin, afirma Joelli.
Embora Gudenus, principal homem de contato do FPÖ com Moscou, já tenha deixado a legenda ultradireitista, uma mudança de curso não é esperada, avalia Joelli. "O FPÖ continuará a cultivar seus laços com a Rússia, que vão muito além de Gudenus, chegando até o novo líder do partido, Norbert Hofer." Foi ele quem assinou, no passado, o acordo de cooperação entre o FPÖ e o Rússia Unida, partido de Putin.
Pouco se ouviu de Moscou nos últimos dias. Apenas um desmentido: não se conhece a sobrinha do oligarca russo. E o próprio oligarca disse que não tem sobrinha.
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