Os planos de Joe Biden para a economia dos EUA
23 de setembro de 2020Quatro anos atrás, Donald Trump prometeu aos americanos da classe operária o impensável. O retorno dos postos de trabalho na indústria, que por quase 100 anos consolidaram os EUA como a maior economia do mundo mas nas últimas duas décadas foram perdidos para países como China e México.
Apesar de um sucesso questionável em termos de aumento da produção doméstica em seu primeiro mandato, a postura protecionista de Trump repercutiu profundamente entre os eleitores, graças a slogans cativantes como "America first" (América primeiro) e "Make America great again" (tornar os EUA grande novamente).
Não é surpresa, então, que seu rival democrata, Joe Biden, tenha prometido restaurar a hegemonia industrial dos EUA se ganhar a Casa Branca, e fabricar mais produtos dentro do país.
Embora a pandemia de coronavírus seja a primeira prioridade de seu governo, Biden disse que deseja expandir o uso das regras "Buy American" (compre produtos americanos), para ajudar a impulsionar a manufatura nacional e criar milhões de novos empregos na produção, incluindo um milhão no setor automotivo.
Os planos econômicos do ex-vice-presidente incluem um imposto de 10% sobre as empresas do país que terceirizam a fabricação para fora dos Estados Unidos e prometem eliminar lacunas que ajudam as multinacionais americanas a poupar seus lucros estrangeiros das garras do fisco. Projetos que se comprometam a reconstruir ou fortalecer a manufatura nacional se beneficiariam de um crédito fiscal de 10%.
Segundo Mark Zandi, economista-chefe da Moody's Analytics, as sanções e recompensas do plano de Biden podem ter um impacto significativo sobre onde as empresas americanas sediam suas fábricas. Mas ele ressalta que, para serem realizados, os planos dependem de os democratas, além de ganhar a Casa Branca, também controlarem o Congresso.
"Se o Senado permanecer sob o controle republicano, é difícil ver Biden fazer muito legislativamente, incluindo a implementação de seu plano 'Made in America'", sublinha Zandi.
Promessas discutíveis
Outros economistas consideram algumas das promessas de campanha de Biden tão discutíveis quanto as de Trump. Afinal, as multinacionais americanas costumam transferir a produção para o exterior para se beneficiar de mercados novos e inexplorados, como Brasil e China.
"Uma proporção muito alta de fábricas americanas no exterior está produzindo para venda e uso no país ou região onde a fábrica está localizada", observa o economista Ed Lotterman. "Pouco disso vai voltar para os EUA." Ele acredita que, mesmo se os fabricantes pudessem ser convencidos a mover suas fábricas de volta para Iowa e Illinois, por exemplo, um rival provavelmente conquistaria sua participação no mercado internacional.
Apesar de ter alertado sobre os perigos de um déficit em espiral como senador de Delaware, Biden planeja aumentar o déficit federal – que já está em 3,3 trilhões de dólares (R$ 16,5 trilhões), ou 16% do PIB – com seu enorme plano de gastos de 5,4 trilhões de dólares (R$ 29,7 trilhões) para a próxima década.
As fortes promessas de Biden para enfrentar as mudanças climáticas, impulsionar o acesso ao sistema de saúde, combater a falta de moradias populares e enfrentar a desigualdade racial foram elogiados pelos progressistas dos EUA. De acordo com o site de sua campanha, um grande investimento para reconstruir a infraestrutura dos EUA o ajudará a cumprir sua meta de pleno emprego, enquanto a educação será responsável pela maior parte dos novos gastos públicos.
Grandes aumentos de impostos, principalmente sobre os ricos, reverterão parte dos cortes de impostos de 1,5 trilhão de dólares (R$ 8,3 trilhões) de Trump e compensarão quase dois terços de seus compromissos de gastos. Segundo analistas, o restante se beneficiará da atual política monetária do Fed, o banco central americano.
"Haverá déficits orçamentários mais altos, mas isso é muito menos uma questão econômica, dado que as taxas de juros estão perto de zero e provavelmente permanecerão assim por algum tempo", diz Zandi, acrescentando que Biden se voltará para os problemas fiscais do país após a economia voltar à saúde plena.
Outros analistas apontam para uma quase duplicação do imposto sobre ganhos de capital – o maior da história dos Estados Unidos – que, segundo eles, pode desencadear um grande sell-off nos mercados de ações.
A América corporativa pressionará Biden para desfazer muitas das políticas comerciais agressivas de Trump que, além de combater a ameaça econômica da China, enfraqueceram os laços com os aliados mais fortes dos Estados Unidos, incluindo o México e a União Europeia.
Mas especialistas em comércio dizem que as mãos de Biden podem estar atadas por seu compromisso com os eleitores por meio da promessa do Made In America, e que as tarifas podem permanecer por algum tempo, apesar do enorme custo para os importadores americanos.
"Biden continuará pressionando os chineses para que cumpram as leis de comércio internacional, mas não fará isso por meio de uma guerra comercial unilateral", prevê Zandi. "Ele voltará a se recorrer à Organização Mundial do Comércio e a outras organizações multilaterais de comércio para pressionar os chineses a mudar seu comportamento."
Embora Trump tenha alertado sobre o colapso financeiro caso ele não consiga ganhar um segundo mandato, os eleitores estão cada vez mais convencidos dos planos econômicos de Biden. A pesquisa mais recente da emissora CNN mostra Biden com 48% de apoio em relação à sua competência para economia – apenas 1% atrás de Trump, em comparação com uma diferença de quase 8% há cerca de um mês.
A campanha de Trump foi impulsionada pela rápida recuperação dos mercados financeiros depois que o lockdown da pandemia foi amenizado, mas agora há sinais de nova turbulência. "O nervosismo dos mercados financeiros pode ser um fator", ressalta Lotterman, cuja coluna Real World Economics é publicada em vários jornais americanos. Ele prevê que Biden pode manter a pressão nas últimas seis semanas de campanha eleitoral por meio de comerciais e uma campanha nas redes sociais focada na economia.