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Os reparos no Congresso às vésperas do novo ano legislativo

27 de janeiro de 2023

As reformas na Câmara dos Deputados após a invasão de bolsonaristas radicais devem durar até um ano. Vestígios do vandalismo ainda marcam o ambiente às vésperas da posse dos novos deputados.

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Homens limpam salão com portas de vidro na contra-luz
Limpeza no Congresso Nacional após quebradeira promovida por vândalos golpistasFoto: Nádia Pontes/DW

Em volta da Praça dos Três Poderes, em Brasília, os prédios que representam a democracia brasileira ainda têm alguns vestígios dos ataques violentos do último 8 de janeiro. Quase um mês depois, vidraças são substituídas, manchas deixadas pelo fogo no gramado do Congresso são visíveis. A ronda da força policial é mais ostensiva, a visitação aos monumentos estão interrompidas, quase não há turistas.

"As pessoas estão com medo. Ninguém vem aqui passear, a gente não está vendendo nada”, diz Gil Rodrigues de Araújo, 70 anos, vendedor ambulante na praça há 23 anos.

Do lado de dentro do Congresso Nacional, o trabalho de reparação continua. No plenário da Câmara dos Deputados, a DW Brasil acompanhou a reposição da única peça grande de vidro violada. A barbárie registrada pelas câmeras de segurança ocorreu fora daquele ambiente, que foi protegido naquele episódio por todos os homens e mulheres que compõem a Polícia Legislativa.

"É um protocolo nosso. O símbolo maior da democracia é o plenário, ele foi o único que não foi invadido, que não foi destruído. Nossa linha de homens e mulheres, ombro a ombro, conseguiu conter toda a ira, toda a fúria desses invasores”, relembra Adilson Paz, diretor da Coordenação de Segurança Orgânica do Departamento de Polícia Legislativa (Depol).

Os estilhaços do vidro deixaram poucos sinais nas cadeiras de couro a serem ocupadas pelos 513 parlamentares que tomarão posse em 1° de fevereiro. Uma faixa de tapete vermelho estava sendo posicionada para a ocasião sobre o carpete verde, que dá nome ao amplo salão de entrada.

Funcionários posicionam placa de vidro no plenário da Cãmada dos Deputados
Substituição de vidraça no plenário da Câmara, que não chegou a ser invadido pelos vândalosFoto: Nádia Pontes/DW

"Esse primeiro momento é de consternação, diante de qualquer tragédia, todo mundo fica assim. Mas nós somos treinados para resolver e dar uma resposta muito rápida”, diz Marisa Seixas Prata, diretora da Coordenação de Administração de Edifícios.

Casa em ordem

É ela que pede aos homens da equipe que revisem os mobiliários dispostos no Salão Verde, área muito danificada durante os ataques. Um dos assentos desenhados por Oscar Niemeyer, arquiteto que projetou a capital federal, acabara de quebrar. O extenso carpete verde já está com novos retalhos, que destoam um pouco dos pedaços mais antigos que resistiram ao princípio de incêndio, pó químico e água. Muita água.

"Tinha uma lâmina d'água de uns quatro, cinco centímetros”, detalha Prata. "Os tapetes têm nove metros de diâmetro cada um. Com a água, você não tem noção do número de pessoas necessárias para carregar cada um, tudo encharcado, e botar para fora."

A parede azulejada por Athos Bulcão, chamada de Ventania, vai precisar de mais tempo para ser completamente refeita. O gradil de ferro que protegia a entrada da claraboia, na altura do nível da rua, foi arrancado pelos invasores. O metal deslizou e prejudicou algumas partes.

Numa das manhãs em que a reportagem acompanhou os bastidores da arrumação, o anúncio de que o Muro Escultórico, outra obra de Atos Bulcão, estava prestes a retornar ao espaço original animou os funcionários.

"O Muro Escultórico é todo modular, três peças sofreram danos graves. Perto dele, uma pequena exposição de presentes protocolares, recebidos por representantes da Casa em visitas oficiais, também foi muito danificada”, informa Marcelo Sá de Sousa, responsável pelo Museu da Câmara, que, naquele dia, ajudava a repor artigos já restaurados.

Gestão de risco

O trabalho minucioso de reconstrução das peças é feito alguns andares abaixo, pela equipe de 11 profissionais liderada por Gilcy Rodrigues, chefe do serviço de preservação da Câmara. Numa das salas do setor, uma das peças do mural de Bulcão ainda estava sobre uma bancada, recebendo camadas de tintas nos pontos prejudicados.

Gilcy Rodrigues
Gilcy Rodrigues chefia o minucioso trabalho de reconstrução das peças danificadasFoto: Nádia Pontes/DW

"Nós tratamos 64 peças que estavam expostas nas áreas que sofreram invasão. Dessas, já tratamos e devolvemos aos seus espaços cerca de quase 70%. Considerando que fizemos isso em três semanas, acredito que é um bom percentual. Para restaurar, é preciso técnica e tranquilidade”, afirma Rodrigues.

Algumas lacunas permanecerão. A restauradora conta que algumas partes quebradas não foram encontradas. "Foi complicadíssimo a gente conseguir agrupar todos esses pedaços no estado em que achamos o espaço. Sofreram arranhões, quebras e muita sujeira por causa das bombas de efeito moral que foram jogadas no local. Existia muito pó químico também."

Embora o evento violento tenha pego a equipe de surpresa, a estratégia de restauração não partiu do zero. Meses antes, um mapeamento de riscos ao acervo de 23 mil metros lineares havia sido concluído. Ele apontava dez possibilidades de risco, entre elas o vandalismo, e trazia o passo a passo do que fazer.

Ainda assim, o processo será longo. "Algumas peças são muito grandes. O painel Ventania mesmo é um de grande extensão, tem oito metros, cobre toda a área do Salão Verde. Para trabalhar esse painel e o restante das peças que estão muito mais fragilizadas, nós devemos ter aí um tempo de seis meses a um ano”, estima Gilcy Rodrigues.

Memórias das cenas de brutalidade

Na rampa do Congresso Nacional, Adilson Paz remonta as cenas mais tensas que viveu naquele dia da invasão. Ele repete os gestos que imagina ter feito na ocasião, quando segurava granadas de efeito moral e organizava os agentes pelo rádio. 

"Foi um ataque gravíssimo à nossa democracia. Um ataque inimaginável. Até aquele momento, eu acho que os órgãos de segurança pública, todo cidadão, ninguém imaginava que poderia acontecer. A democracia naquele momento esteve em risco pela intenção desses invasores. Era algo que foi orquestrado, planejado, detalhadamente. Foi feito realmente um planejamento”, afirma, com base em sua experiência policial.

Naquele dia, 30 policiais estavam no local. Quando os invasores chegaram mais perto, o restante do efetivo foi chamado, 100 homens e mulheres atuaram no total contra uma multidão enfurecida estimada em 40 mil pessoas em toda a Esplanada.

Restaurador durante trabalho
Equipe de 11 profissionais trabalha na restauração das peças danificadas na Câmara dos DeputadosFoto: Nádia Pontes/DW

"Foi um campo de batalha, campo de guerra. A gente estava num combate em que poderia haver mortes. E talvez o momento mais tenso, mais preocupante para gente, foi quando eles tentaram atear fogo em vários pontos da Casa. A brigada conseguiu conter os focos de incêndio”, relata Paz.

Segurança dos parlamentares é prioridade

Com o retorno dos parlamentares ao Congresso, alguns procedimentos devem mudar depois da invasão violenta. A preocupação é blindar a integridade física dos servidores, integridade física e de todos os parlamentares. "A gente está fazendo alguns levantamentos, reuniões, para solucionar questões referentes a áreas vulneráveis. Num dia de funcionamento, a gente recebe de 10 a 15 mil pessoas em dias mais cheios. Fazer o controle dessas pessoas é o nosso principal desafio”, explica Paz.

Do lado de fora do prédio, é possível avistar plásticos nas janelas de gabinetes de deputados, antes protegidas por vidros. 

"Nosso cálculo inicial mostra que seria necessário substituir 700 metros quadrados de vidro. A mesma empresa que fornece sob demanda está fazendo os nossos, do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal. Todo dia chega, todo dia a gente repõe. Nós só tínhamos em estoque 200 metros quadrados”, informa Marisa Seixas Prata, diretora da Coordenação de Administração de Edifícios.

Para a servidora é importante não esquecer o que aconteceu. E fazer uma reflexão sobre o porquê de ter acontecido. "Essa é uma Casa que tem uma grande capacidade regeneradora”, diz. "Os danos causados, há muitos registros. A área competente vai fazer e manter o registro da memória do que aconteceu. As pessoas ficam assustadas, mas eu confio na estrutura da Casa, nas instituições.”