Os riscos de não ir a aulas de religião em escolas alemãs
26 de dezembro de 2018Paul* estava no quarto ano quando os problemas começaram na escola. Na hora das aulas de religião, o aluno se mudava para uma minúscula sala adjacente, com uma janela, passando a hora em silêncio. Seus pais haviam decidido que ele não receberia instrução religiosa.
Paul estava seguindo os passos de suas irmãs mais velhas. Elas haviam frequentado a mesma escola pública em sua cidade no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, perto de Colônia.
Elas também foram dispensadas das aulas de religião – dedicadas exclusivamente à fé cristã na maioria das escolas alemãs. As crianças podiam ler ou começar a lição de casa do dia, enquanto seus colegas aprendiam sobre o cristianismo.
"Todos os meus filhos tiveram problemas várias vezes por usar o tempo para fazer o dever de casa", disse a mãe deles, Diana*. "Eles me contavam e eu dizia: 'não se preocupe, às vezes você só tem que ver o outro lado da moeda'."
Religião versus tempo livre
As regras estipulam que as escolas devem tentar programar as aulas de religião no início ou no final do dia letivo, para que as crianças que não participam possam vir mais tarde ou sair mais cedo. Caso contrário, as escolas precisam lhes fornecer supervisão.
Algumas escolas determinam que os estudantes que não frequentam o curso de religião assistam a aulas de ética ou filosofia prática. Mas esse não foi o caso na escola de Paul. Ele estava, pelo menos em teoria, livre para usar o tempo como quisesse.
Nenhuma regra dizia que Paul e suas irmãs não podiam fazer o dever de casa, mas outros pais reclamaram que isso era injusto. Então, Diana e seu marido, Ralf*, disseram aos filhos que não deveriam chamar a atenção ou orgulhar-se disso. Mas isso não implicou que eles, às vezes, não fossem descobertos.
Mas, para Paul, a situação foi mais difícil que para suas irmãs.
Um dia, em outubro do ano passado, dois de seus amigos disseram ao professor de religião que viram Paul fazendo o dever de casa durante as aulas. O professor chamou Paul para a frente da sala de aula, contou Diana, e o repreendeu: "Paul, você sabe por que o dever de casa é chamado de lição de casa?"
Ele disse a Paul que sua punição seria fazer outra página de dever de casa, que ele teria que entregar ao professor regular da turma no dia seguinte.
"Ele tinha apenas oito anos na época e ficou totalmente chocado e com medo", disse Diana. "Ele chegou em casa chorando naquele dia."
Diana e Ralf ficaram desapontados com a forma como Paul estava sendo tratado, pois a escola ignorava as regras. Eles falaram com o professor de religião, que pediu desculpas quando soube que estava errado em chamar o menino.
"Conversamos com ele e dissemos: 'Isso não teria acontecido se a escola não tivesse essa política de manter as crianças no final da aula durante os cursos de religião. Se vocês fizessem exatamente como estipulam as leis...", recordou Diana.
O professor de religião os encaminhou ao diretor.
"Então telefonamos para o diretor e isso não levou a lugar algum, porque ele estava convencido de que estava fazendo tudo certo", relatou Diana. "Ele não respondeu à nossa pergunta quando dissemos: 'Isto é o que as leis estipulam. O que o senhor vai fazer para mudar a situação de forma que Paul seja tratado como a lei diz que ele deveria ser?'."
Ajuda externa
Diana entrou então em contato com Rainer Ponitka. No pequeno vilarejo rural onde Ponitka morava, a Igreja era uma parte da vida das pessoas, assim como as aulas de religião na escola pública, onde cada sala de aula era decorada com um crucifixo.
O filho de Rainer não frequentava as aulas na escola primária nem participava dos serviços semanais a que os outros alunos assistiam na igreja. Por causa disso, o menino sofreu intimidações por parte de outros pais e filhos.
Ponitka contatou especialistas e escreveu um guia para pais, alunos e educadores sobre como lidar com uma escola sem filiação religiosa. Ele é agora porta-voz da Liga Internacional de Não Religiosos e Ateístas (IBKA), um grupo lobista focado na liberdade de pensamento e religião, bem como na separação entre religião e Estado. Diana leu o livro dele.
"Eu tenho 10, 12 casos [como o de Paul] a cada ano, casos diferentes, alguns que se estendem por anos", disse Ponitka, que também lidera o grupo de trabalho do IBKA em escolas. "Começa na educação básica e continua até o nível secundário. Não continua no ensino médio, porque as regras ali são mais claras."
Quando ficou claro que o diretor da escola de Paul não se importava em fazer nenhuma mudança, Ponitka pôs Diana em contato com um advogado.
Paul e seus pais acharam que ele estava sendo perseguido pelo diretor, que também trabalhava como um dos professores de esportes. A nota de educação física de Paul caiu de um, "muito bom", para quatro, "satisfatório", na escala de um a seis, apontou Diana.
O advogado, Winfried Rath, deu ao diretor duas semanas para responder a uma carta exigindo que Paul fosse tratado de acordo com a lei.
O diretor não respondeu. Rath enviou outra carta dizendo que aconselharia os pais de Paul a levar o caso ao tribunal se o diretor ignorasse o novo prazo, que expirou em 19 de dezembro.
As escolas quase sempre cedem quando surge a ameaça de processos judiciais, disse Rath. O tribunal custa dinheiro e as instituições escolares estão sempre com dificuldades financeiras.
Na quarta-feira, o diretor enviou a Ralf, pai de Paul, um e-mail dizendo que seu filho não precisava mais frequentar a escola durante as duas aulas de religião a cada semana.
Diana disse estar aliviada por Paul, embora ela diga que ele já foi estigmatizado pelos acontecimentos. "Ele está carregando um fardo que nenhum garoto dessa idade deveria carregar", disse a mãe. "Ele é o único com pais não religiosos. Se ele fizer algo errado, o diretor vai olhar para ele de forma diferente."
Mas isso não é apenas um problema de Paul, afirmou Diana: "Trata-se de uma injustiça que vem acontecendo há anos. Algo precisa mudar".
*Os nomes foram alterados para proteger a identidade do garoto.
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