Os venezuelanos e sua relação de amor e ódio com o dólar
21 de novembro de 2019O que significa o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, elogiar as transações monetárias com dólares americanos como "válvula de segurança" para seu país sacudido por crises? Quando ele diz que as células verdes poderiam ajudar o país a superar a crise econômica desencadeada pelas sanções dos Estados Unidos?
Em primeiro lugar, isso significa que a Venezuela desiste de uma parte essencial de sua soberania, submetendo-se às decisões de política monetária do governo americano e do Federal Rerserve (Banco Central) em Washington.
"Os cidadãos da América Latina encaravam e encaram suas moedas nacionais como um sinal de soberania e independência. Quando se abre mão do próprio dinheiro, isso é visto como capitulação diante de uma potência estrangeira. Pior ainda que, no caso, se trate dos Estados Unidos", aponta o especialista em América Latina Mac Margolis, num artigo de opinião para a agência de notícias Bloomberg.
A dolarização é a "opção monetária nuclear" para um país, argumenta Margolis, a última saída, quando todos os demais instrumentos de gestão de crise não funcionaram. Por isso o dólar é moeda oficial em menos de 40 nações, em todo o mundo, e só três delas se situam na América Latina. Oficialmente: apenas Equador, El Salvador e Panamá o adotaram, renunciando, assim, a suas próprias moedas.
A situação ainda não chegou a esse ponto na Venezuela, diz, em entrevista à DW, o economista Luis Vicente León, diretor da firma de pesquisa de mercado Datanalysis, em Caracas. Apesar de, o bolívar só existir como um morto-vivo, devido à hiperinflação, segundo seus cálculos em outubro de 2019 "apenas" cerca de 54% de todas as transações com bens e serviços do país socialista foram realizadas em moeda estrangeira. Em comparação à época antes do agravamento da crise econômica, em 2012, contudo, isso representa um aumento de mais de 1.000%.
Na maioria dos outros países da região, os cidadãos que têm meios para tal também confiam tradicionalmente no dólar americano, como segurança contra a inflação e a desvalorização. Também na atual séria crise na Argentina, dia a dia a população acompanha de perto a cotação do dólar, a fim de poder julgar que gastos ainda podem se permitir.
Gabinete de horrores
Contudo é mais do que questionável se com a introdução do dólar vai melhorar a situação catastrófica da população venezuelana, ou se a crise será superada, como afirma Maduro. Pois os dados da economia parecem uma visão de um gabinete dos horrores.
O diretor do Departamento América Latina do Fundo Monetário Internacional (FMI), Alejandro Werner, parte do princípio que a crise econômica e humanitária da Venezuela continuará se agravando: "O PIB deve cair mais 35% em 2019, aumentando para mais de 60% o retrocesso cumulativo estimado desde 2013."
Em outras palavras: desde aquele ano, a economia do país encolheu para menos da metade. Consequentemente, deverá continuar a queda da moeda nacional, o bolívar, que em 2019 já perdeu cerca de 90% do seu valor. Segundo o FMI, a hiperinflação mais do que dobrará: dos atuais 200.000%, para 500.000% em 2020.
Há meses, os dirigentes em Caracas tentam liberar as últimas reservas para arrecadar divisas. Estoques de ouro foram vendidos para a Turquia e outros países, que assim violaram abertamente as sanções do EUA contra o regime Maduro. Por último, até mesmo um grande carregamento de sucata e metais usados partiu para uma longa viagem de navio até Istambul.
Apesar disso, o presidente Maduro acaba de assegurar que o bolívar continuará sendo a moeda oficial venezuelana. O que ele não mencionou, é o que ainda se pode comprar com as cédulas que mostram o retrato do herói da independência Simon Bolívar. Além disso, em fevereiro de 2018, Maduro lançou uma criptomoeda chamada petro, para ficar mais independente do dólar. Entretanto, também esse projeto foi tudo, menos um sucesso.
O economista venezuelano Ricardo Hausmann, que ensina na Universidade de Harvard, nos EUA, e assessora o líder oposicionista Juan Guaidó, compara a situação em seu país natal com um taxista que tem o carro, mas não a gasolina. Para impulsionar a economia, ele sugere uma abertura do setor petrolífero para investidores estrangeiros, a fim de voltar a trazer divisas para o país membro da Organização os Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Em contrapartida, Hausmann vê com ceticismo uma dolarização da Venezuela. No início de 2019, ele calculou que o país precisaria de um pacote de ajuda de, no mínimo, 60 bilhões de dólares, para voltar a tornar sua economia mais ou menos operacional. Nesse ínterim, essa soma não deve mais bastar.
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