O futuro de Kyoto
28 de novembro de 2011Com um discurso cada vez mais afinado nas negociações climáticas, Brasil, África do Sul, Índia e China são categóricos: estão cansados de liderar os esforços globais contra as mudanças do clima. Depois de uma reunião em Pequim, às vésperas da conferência de Durban, esses governos declararam: "A responsabilidade de assumir o comando é dos países desenvolvidos, conforme a convenção."
O tom na África do Sul, que sedia a 17ª Conferência do Clima, é de contenda silenciosa: emergentes aguardam a movimentação dos países desenvolvidos; nações ricas cobram mais dos atuais motores da economia global. No centro da discussão, o futuro do Protocolo de Kyoto, que expira no final de 2012.
"Na África do Sul, o governo tem dito que se pode até esperar a prorrogação de Kyoto, mas não como uma obrigação legal, principalmente devido aos Estados Unidos e à China", disse em conversa com a DW Brasil Narnia Bohler-Muller, do African Institute of South África, pesquisadora convidada do BRICS Policy Center.
Nessa expectativa para ver quem toma o próximo passo, os emergentes são a favor do prolongamento do acordo que obriga os países ricos a diminuírem suas emissões. Mas todas as nações devem assumir "responsabilidades comuns, mas diferenciadas", defendem em Durban.
Dados da Agência Internacional de Energia mostram que os países do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – correspondem a cerca de 30% do Produto Interno Bruto mundial (em 1990 era 18%). Juntos, eles respondem por aproximadamente 37% das emissões totais.
Um crescimento "sujo"
Um pouco antes da conferência em Durban, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alertou que a quantidade de gases do efeito estufa lançada na atmosfera deve ser duas vezes maior até 2050. O perigo estaria no ritmo de crescimento dos emergentes:
"Emissões no setor de transporte devem dobrar devido à demanda por carros nos países em desenvolvimento e por causa da aviação", diz o relatório. "Historicamente, países da OCDE são os responsáveis. Mas nas próximas décadas, o aumento das emissões será causado pelo rápido crescimento das maiores economias emergentes."
A demanda por energia vai impulsionar esse cenário. O carvão, um dos principais inimigos do aquecimento global, ainda alimenta a expansão das economias chinesas, indiana e sul-africana. Segundo estatísticas da Agência Internacional de Energia, de 68% a 94% da eletricidade e da calefação nesses países são obtidos através dessa matéria-prima.
"Sim" reticente para Kyoto
O Brasil, que gera 75% de sua eletricidade em hidrelétricas, diz trabalhar com intensidade para estender Kyoto. No entanto, o governo evita criticar os opositores ao protocolo, e ressalta: que "um acordo obrigatório não pode ser algo que se busque a qualquer preço".
Sobre um acordo obrigatório também para os países em desenvolvimento, Luiz Alberto Figueiredo Machado, do Ministério de Relações Exteriores, declarou: "Estamos fazendo a nossa parte, e fazemos muito mais do que outros. A pressão não está exatamente sobre nós. O que sentimos é que a próxima fase das negociações climáticas exige certos tipos de comportamentos de todas as partes."
Mais uma vez, a cobrança recai sobre o segundo maior poluidor da atualidade, os Estados Unidos. E há quem atrele sua decisão à dos norte-americanos. "A índia demonstra claramente que não quer estar numa situação vulnerável comercialmente, enquanto outros se beneficiam desse cenário. Ou seja, em relação ao fato de os Estados Unidos não terem nenhuma obrigação legal de reduzir suas emissões", avalia Narnia Bohler-Muller.
A China, que lançou recentemente um documento com novas políticas de combate às mudanças climáticas, encabeça o ranking de maior poluidor global. Pequim espera mais "ação" dos países desenvolvidos: "Eles devem assumir a liderança para redução substancial de emissões", recomenda o documento.
Um caso à parte
Yuri Izrael, pesquisador russo e ex-vice-diretor do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), é um grande questionador da eficiência do Protocolo de Kyoto. "A redução de 40% ou 50% das emissões não é suficiente para estabilização do clima. E é muito cara", disse em conversa com a DW Brasil.
Izrael, que atualmente dirige o Global Climate and Ecology Institute e é membro da Academia de Ciências da Rússia, diz que as negociações não devem se concentrar apenas na redução dos gases na atmosfera. "Devemos discutir várias tecnologias, por exemplo, na área da geoengenharia, e devemos fazer isso juntos", opinou Izrael, completando que é preciso mais discussão científica.
A Rússia se comprometeu a cumprir as metas do primeiro período de Kyoto, assinado em 1997 e em vigor desde 2008. O governo russo já sinalizou que não quer continuar numa nova fase do protocolo, assim como Canadá e Japão. A surpresa em Durban será uma mudança de posição. "Somos bons em diplomacia e somos bons em convencer os nossos parceiros a virem conosco", diz Bohler-Muller sobre o papel de liderança das negociações da África do Sul.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Carlos Albuquerque