'Pan-hispanismo é obsoleto'
23 de maio de 2010A história das independências latino-americanas, das quais muitas completam 200 anos entre 2009 e 2011, é, ao mesmo tempo, a história de um projeto frustrado: o da integração continental desde o Rio Bravo até a Patagônia, passando pelas ilhas do Caribe. Pelo menos no imaginário coletivo dos latino-americanos, essa integração, que iria além das relações comerciais, deveria ser tão profunda quanto as raízes que compartilham os povos da região.
A Deutsche Welle conversou sobre o tema com Walther Bernecker, professor da Universidade Friedrich Alexander, de Erlangen-Nurembergue, e especialista sobre a história espanhola, portuguesa e latino-americana dos séculos 19 e 20.
Deutsche Welle: Costuma-se dizer que, ao contrário dos países que hoje integram a União Europeia, os da América Latina que se tornaram independentes da Coroa espanhola no século 19 têm um idioma, uma cultura e também problemas comuns. Supõe-se que isso deveria tê-los aproximado e levado a uma grande e forte aliança. O projeto de uma América Latina unida era realmente factível no século 19, no apogeu das lutas pela independência?
Bernecker: As declarações de independência deixaram claro que isso que conhecemos como o Império espanhol nunca foi uma unidade. O único elemento de coesão era a Coroa espanhola. Quando ela enfraqueceu, a possibilidade de manter esse império unido foi drasticamente reduzida.
Devagar, pôde-se constatar que as diferenças entre as distintas regiões independentes eram maiores do que as semelhanças. Ao fim de sua vida, Simón Bolívar se deu conta de que o grande sonho de uma América Latina unida que ele havia tentado converter em realidade estava fadado ao fracasso desde o princípio.
No entanto, a intenção de agrupar os países latino-americanos para formar uma só voz no cenário mundial continuou sendo vista como ambição razoável – e não como o delírio de um herói da independência. De fato, muitos latino-americanos ainda têm a impressão de que os esforços contínuos para unir os países emancipados da região foram sabotados pelos Estados Unidos e pelas potências europeias.
Em relação ao desenvolvimento econômico, não excluo a possibilidade de que as dificuldades da América Latina possam ter tido influências externas – ainda que isso requeira uma sólida investigação histórica.
Já em referência à unidade do subcontinente, está claro que não foram as influências externas que sabotaram ou impediram os projetos de integração. Pelo contrário, os obstáculos foram os confrontos dentro da própria América Latina e a falta de acordos fundamentais.
Comecemos por 1826, quando o Congresso do Panamá foi sabotado pelos próprios latino-americanos, seus países não enviaram representantes porque não tinham nenhum interesse na integração regional ou na criação de uma grande unidade.
A Grande Colômbia se desintegrou, não por influências externas, mas porque os países que a formavam – Venezuela, Colômbia e Equador – não conseguiram negociar de forma eficaz entre si. O mesmo se aplica às Províncias Unidas da América Central, que se separaram no decorrer do século 19. No século seguinte, houve dezenas de tentativas de se criar unidades supranacionais e regionais, mas todas fracassaram.
O impulso que levou as elites latino-americanas a negociarem entre si para agrupar seus países em uma confederação tende a ser chamado de pan-hispanismo. O termo se contrapõe ao pan-americanismo, visto como uma estratégia dos Estados Unidos de atribuírem a si mesmos uma posição dominante na política continental, semelhante à que o Império espanhol tinha no período colonial. Que argumentos existem a favor do pan-hispanismo?
É importante usar os termos com clareza. A noção do pan-hispanismo tem sua origem na Espanha – e não na América Latina – e defende a criação de uma grande comunidade que inclua todos os países de língua espanhola. Essa ideia foi propagada principalmente por regimes não democráticos, como o do ditador espanhol Francisco Franco, com a intenção de estender seus poderes à América Latina.
O objetivo é lembrar a América Latina sobre como a Espanha lhe tem sido benevolente, enfatizando os processos de "civilização" e "cristianização", dentre outros argumentos que só podem ser defendidos por um regime autoritário que censure o debate sobre os pontos negativos da Conquista e da Colonização. Como conceito, o pan-hispanismo é eurocentrista e obsoleto. Ele não tem futuro porque supõe que a iniciativa integradora provém da chamada "pátria mãe".
Na sua opinião, o termo "pan-hispanismo" tem, portanto, uma carga simbólica e histórica pesada. Por isso, não deve ser empregado como sinônimo dos esforços para se unir os países latino-americanos em termos sociais, econômicos e políticos?
A tentativa de reunir a América Latina propondo-se a Espanha como elemento coesivo – o que está implícito no termo pan-hispanismo – fracassou nos últimos anos. Isso ficou claro quando os latino-americanos rejeitaram a iniciativa espanhola de festejar os 500 anos do chamado descobrimento da América ou os 200 anos das independências latino-americanas. As interpretações especificamente espanholas desses acontecimentos lhe eram favoráveis porque apontavam a comunhão que oferecem o idioma, a história e a cultura em comum, omitindo, porém, tudo que é negativo.
O que é comemorado no bicentenário das independências latino-americanas? Nada! Esse bicentenário celebra guerras espantosas que se estenderam de 1808 a 1824, nas quais milhares de crioulos e espanhóis morreram lutando uns contra os outros. Também houve guerras civis na América Latina no mesmo período.
Os latino-americanos dizem: "Já não somos mais inimigos dos espanhóis e os convidamos com prazer para as cerimônias, mas estas são nossas comemorações". Eles falam isso porque não querem que a Espanha interfira nas cerimônias pelos 200 anos da Constituição de Cádiz ou da revolta de Madri contra as tropas de Napoleão. Será que tudo isso deveria ser festejado na mesma celebração? Os latino-americanos disseram que não.
Autor: Evan Romero-Castillo (eh)
Revisão: Roselaine Wandscheer